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terça-feira, 31 de março de 2009

A SÍNDROME DA FALTA



CRÔNICA 44

Encontrei no metrô com uma antiga colega de escola e logo me veio à cabeça um fato que a marcava em todas as turmas pelas quais passava: ela costumava faltar às provas em primeira chamada. Com o tempo, os professores, a contragosto, se acostumavam em ter que elaborar uma prova de segunda chamada para uma aluna, a mesma. É claro que ela não tinha noção do trabalho que dava aos professores, pois perdiam pelo menos uma hora fazendo uma prova só para ela. Hoje acho que o colégio deveria cobrar uma taxa de seus pais por esta costumeira prova extra. Acontecia que os professores, depois de saberem que se tratava de um problema psicológico, e constatarem de que era uma boa aluna, tinham tolerância e até gostavam dela.
Para os colegas ela foi sempre a aluna que faltava às provas. E fazíamos apostas todo dia de prova, mas era difícil alguém achar que, por alguma razão, ela viria àquele dia, contrariando a expectativa da turma e do professor. Apesar desta conduta, ela era querida por todos , por ser bastante educada e inteligente.
Tentamos em 15 minutos de metrô pó a conversa em dia. Onde está? O que tem feito? Terminou o doutorado? E a família? Trocamos telefone, e-mail, e deixamos no a perspectiva de um encontro para conversarmos melhor. Dias depois eu lhe telefonei e marcamos um jantar com mais quatro colegas da época. Ela ficou satisfeita com o telefonema e a oportunidade de rever a turma.
Dez dias depois, no restaurante, uma colega, a terceira a chegar, apostou que ela não viria, que ela decerto não perdera o hábito de faltar. Ao fim da noite, tive que dar o braço a torcer e admitir que a colega tinha razão. Ainda adolescentes sabíamos que aquelas faltas eram motivadas por problemas psicológicos, que não sei se foram tratados ou não. O que me parece claro hoje é que permanecem: esta colega tem a síndrome da falta. Jovem, faltava às provas; adulta, aos encontros. Diria mais, ela tem passado o tempo todo faltando à vida.
Talvez terapeutas chamem o fato de fobia, uma fobia crônica. Sem querer entrar em detalhes de nomenclatura, chamo de doença. E lamento, pois é uma doença que, sem manifestação visível, impede a vida. Apesar de ser ainda bem inteligente, aos 46 anos não trabalha
e nem sei se trabalhou um dia. Imagine algum patrão que aceitaria um funcionário que faltasse ao serviço com tanta freqüência e sem motivo.
Pensei em lhe telefonar para saber o que houve, por que não compareceu ao nosso encontro no restaurante etc. Mas não o fiz. Com o aparelho na mão, não consegui ligar. E supus que muitos amigos devem ter se afastado pela mesma razão. Quando as pessoas sabem que é uma “doença”, tornam-se mais compreensivas, mas depois, com o tempo, desistem da companhia. Infelizmente, a síndrome da falta não é um caso isolado. Ela acontece com muitas pessoas, embora nem sempre de modo permanente, o que mascara a conduta.
No outro dia em casa, parei me perguntando: será que eu também costuma faltar à vida? E com que freqüência? E em que situações?
Bem, responder a estas perguntas é o primeiro passo para pararmos de faltar.

segunda-feira, 30 de março de 2009

EU NÃO ESTOU OUVINDO O QUE EU ESTOU OUVINDO


CRÔNICA 43
Tenho um amiga que é vegetariana há mais de vinte anos, ou seja, há tempo suficiente para todas as pessoas de sua relação saberem que ela não come carne. Ela tem uma irmã que mora em uma cidade vizinha há três horas de viagem, a qual ela visita de vez em quando. Nestas ocasiões é comum fazer pelo menos uma refeição na casa da irmã, que por sinal é boa cozinheira. Só que a irmã sempre lhe oferece um prato de carne, como se ela não fosse vegetariana. Que a irmã faça carne não é problema, afinal ela cozinha para pessoas diferentes, o que ela não entende é por que razão a irmã insiste que ela coma carne, contrariando seus hábitos vegetarianos
A cena se repete, ela diz. Se a irmã lhe serve uma carne assada, por exemplo, ela agradece e recusa, perguntando se a irmã já esqueceu que ela é vegetariana. A irmã diz que é só uma vez e que não faz mal. Ou que ela pode fazer uma exceção e comer aquela carne que ela preparou com tanto carinho, especialmente por causa de sua visita. A irmã se mostra ofendida por ela não aceitar a carne assada ou diz que ela é mal educada ou ingrata, por não reconhecer o afeto da irmã.Algumas vezes acabaram discutindo e se aborrecendo.
Creio que esta história não seja incomum. Com certeza você conhece alguém como a irmã desta minha amiga. Ela, sim, é uma pessoa mal educada, pois, carnívora, não aceita que o outro seja diferente. Não reconhece que o outro tem direito a ter valores e princípios diferentes, inclusive alimentares.
O problema é simples, embora desgastante. Em toda refeição que as irmãs se encontram, há uma pequena ou não tão pequena discussão, por uma simples razão: uma das irmãs sofre da doença da não aceitação das diferenças ou do obsessivo desrespeito pelo outro, como queiramos denominar a estranha conduta da irmã que empurra um prato de carne para alguém que é vegetariano.
Embora este caso não tenha dimensões grandiosas, ele é um exemplo de como muitas vezes não ouvimos os outros pelo simples motivo de que não queremos ouvi-los. A irmã carnívora desta história verídica deve agir da mesma forma em outras situações, provavelmente mais sérias. Deve ser o tipo de mãe que tenta influenciar a carreira dos filhos ou escolher as suas companhias, ignorando suas aptidões e desejos. Deve ser o tipo de mulher que se veste de lingerie negra e põe um perfume especial para seduzir o marido, ainda que ele diga há vinte anos que não se sente estimulado por nenhum tipo de lingerie e que abomina qualquer perfume.
Não percamos mais tempo com esta irmã, porque ela provavelmente é pessoa que inverte as situações e deve dizer que a irmã vegetariana não reconhece seu afeto, que seus filhos não percebem que tudo que ela faz é para o bem deles e que o marido é um insensível porque não vê o romantismo de sua lingerie e o aroma irresistível de seu perfume.
Temos que ter cuidado para ouvirmos exatamente o que os outros dizem e não ouvirmos o que gostaríamos de ouvir. Respeitar as diferenças é fundamental ou qualquer convívio se torna inviável.

sexta-feira, 27 de março de 2009

O PREÇO DA RESPONSABILIDADE



CRÔNICA 42


Achei que valia a pena me ocupar mais da história da última crônica. A mulher que não viajava porque não gostava de pagar as passagens e as diárias dos hotéis me lembra temas já vistos por nós. Entendamos melhor: a mulher pertence à classe média, profissional assalariada, moradora em um bom apartamento de um bairro valorizado na zona sul da cidade, com dinheiro suficiente (fruto de seu trabalho, é bom que se diga) para suas despesas, incluindo viagens no país e no exterior. No entanto, ela se mantém em casa por anos porque, segundo seus pensamentos, ela não poderia usar seu dinheiro com tais gastos.
Um psicanalista talvez visse na sua avareza uma avareza maior, a avareza vital. Ou, mais simbolicamente, visse em sua mão fechada o movimento de retenção, isto é, de não movimento. Ora, não se trata de uma pessoa desocupada ou vadia, mas de uma trabalhadora, cuja renda mensal lhe permite uma vida razoável, bem acima da significativa maioria do país. Entretanto, ela se nega a pagar as suas contas, como se o dinheiro que saísse significasse algum tipo de perda.
Uma vez que não sou psicanalista, como vocês sabem, a minha leitura é outra. Acredito até que a mulher não visse avareza na sua avareza e até se surpreendesse, quando em uma sessão de análise, ouvisse esta palavra. Nem diria que estamos diante de uma pessoa irresponsável, visto que trabalha diariamente e arca com as contas de sua casa. Diria que é irresponsável, sim, mas em sentido mais restrito, ou seja, é parcialmente irresponsável.
Sei que parece estranho, mas vamos lá. Se, quando está sozinha, paga as contas, o que a bloqueia, quando está acompanhada? Será que seria responsável por sua casa, mas não responsável pela relação? Parece provável.
Pagar as próprias contas (não as do casal) num hotel significaria assumir a sua parte na relação, e isto a assustava. Então ela escolheu não ter mais o prazer de viajar e até perder o prazer do companheiro, mantendo, assim, o dinheiro no cofre do banco, com o acúmulo de juros e correção, para, quem sabe um dia, ser feliz.


Katia Sarkis


quinta-feira, 26 de março de 2009

AMOR??? II


CRÔNICA 41


A história anterior me fez lembrar de outra, igualmente verídica. Trata-se também de um casal em um hotel de serra. Depois de uma semana aprazível com sexo, passeios, jantares românticos, piscinas, muito vinho e repouso, veio a conta do hotel. Quando ele a mostra, ela se recusa a pagar a sua parte. Então ele paga sozinho as diárias dos dois. Pegam as malas, entram no carro e voltam para casa. Ela se encontrava ofendida por ele esperar que ela pagasse a metade da conta; ele, decepcionado por ela não ter pago.
Era a primeira viagem do casal que, antes de iniciarem a relação, conversavam muito sobre viagens que ambos tinham feito, constatando facilmente que viajar era uma afinidade entre eles. Os dois, acredito eu, devem ter pensado que juntos fariam inúmeras viagens e que isto seria muito prazeroso.
Mas o que parece lógico nem sempre acontece. Eles não tinham conversado sobre como as viagens anteriores tinham sido feitas, porque nós sempre pensamos que o outro é igual a nós e, portanto, também viaja como nós viajamos.
Resumo da história: depois desta primeira viagem, o casal nunca mais saiu da cidade. Ele preferia não viajar a ter que pagar em dobro; e ela abria mão deste prazer a ter que pagar por a sua metade. Jamais voltaram a falar sobre este assunto. Não sei o que, no íntimo, cada um pensava do outro. Suponho apenas que ambos se sentiam incompreendidos e mal-amados. De qualquer forma, ficaram ainda mais alguns anos juntos.
A separação provavelmente não se deu porque só fizeram uma viagem juntos e, sim, porque tinham valores bem diferentes, como se vê na atitude dos dois diante da conta do hotel. Não foi uma conta que os separou, mas o que antecedeu à conta e à relação.
Se divergiram na questão de amor e de dinheiro, aproximaram-se quanto ao tempo: ambos o desperdiçaram.

Katia Sarkis

quarta-feira, 25 de março de 2009

AMOR???

CRÔNICA 40

Esta história aconteceu de fato há quarenta anos. O casal recém-casado foi passar alguns dias num hotel na serra. Quando estava na piscina, a mulher percebeu que havia esquecido a touca no quarto e pediu ao marido que a fosse buscar. Ele não quis ir e sugeriu que ela nadasse assim mesmo sem touca. Naquele momento ela se decepcionou, sentiu que seu casamento tinha sido um engano e que ele não a amava como ela supunha.
Soube da história muito tempo depois pela voz da mulher que, então madura, ria da tolice da jovem de vinte e dois anos. Só que era tarde, ele acreditou que o fato de não ir buscar uma touca era sinal de falta de amor. E dali em diante, ou seja, desde a primeira semana de vida conjugal, desconfiou de sua união. Não precisa ser muito esperto apara concluir que eles se separaram. Com dois filhos e dez anos de vida a dois.
A maturidade, ainda que louvável, não modifica a ingenuidade da juventude e seus equívocos. Qualquer um acharia razoável o fato de ele não querer ir buscar a touca e que isto não significa falta de amor, mas a jovem recém-casada, provavelmente educada em fantasias bizarras, pensou diferente e se desiludiu.
E se fosse o contrário. Se fosse ela quem se negasse a buscar o pé de pato dele, também seria sinal de desamor? Pelo jeito, ela não se fez esta pergunta na ocasião, se não teria visto facilmente como estava sendo infantil.
Não sei qual é a sua idade, pode ser vinte e dois ou cinquenta, ou outra qualquer. Até porque nem todo jovem é ingênuo, nem toda pessoa madura, esclarecida. Só convido a que pense sobre o que você chama de amor. O simples ato de ir buscar um objeto ou a sua recusa significa amor ou desamor? Espero que não.
Primeiro, ser prestativo não quer dizer necessariamente ser amoroso. Pode ser apenas uma característica, agradável para os outros, reconheço. Segundo, seria até muito fácil se amar alguém fosse só fazer favores, pois favores fazemos para colegas ou vizinhos e não temos este tipo de sentimento por eles.
Cuidado, pois, com o uso de substantivos abstratos, como amor. Eles servem para encobrir muita coisa diferente e distante. E em alguns casos até o contrário do que significam.

Katia Sarkis




terça-feira, 24 de março de 2009

VOCÊ VIVE A SUA VIDA? II


CRÔNICA 39

VOCÊ VIVE A SUA VIDA? II

Reunimos aqui algumas respostas: não, eu não tenho tempo; meu marido não deixa; meus pais me criaram para ser o que eles queriam ter sido e não foram; minha mulher exige que eu seja outro; meus filhos não me dão tempo; o salário é baixo; gostaria mas moro longe da capital; com a doença que tenho, não dá; não tenho dinheiro para ser o que quero; não tenho mais idade; sinto dificuldade de ser o que sou; não sei o que quero ser ou o que sou...
Você provavelmente identificou duas ou mais respostas como suas. Acontece que as pessoas se parecem: têm os mesmos problemas e eles têm as mesmas causas. O primeiro passo, ainda que óbvio, vale a pena ser repetido é você saber o que é ou o que quer ser. Não vale dizer que gostaria de ser bailarina, mas que, com trinta anos, não dá mais...
É claro que, como somos seres históricos, não podemos ser mais bailarinos com trinta anos e coisas semelhantes. Não podemos ser cultos, se aos 50 ainda somos analfabetos. O que somos (e o que podemos ser) no presente é resultado do que fizemos antes. Não dá para simplesmente apagar a história de nossa vida, como se fosse um desenho, e redesenhá-la. Isto não quer dizer que ser bailarino é a única opção da sua vida, visto que seu corpo já não permite mais que você seja um profissional da dança. No entanto, se for uma questão de prazer, você ainda pode ter aulas de balé e dançar por hobby.
Seja, portanto, realista. Diga o que você quer ser dentro de suas circunstâncias. O seu querer tem que ser verossímil. Isto é, tem que ser viável e tem que depender só de você. Você não pode desejar ser filho de senador, pois este desejo implica a vida de seu pai e o tempo, como é elementar, não retrocede.
Agora veja por que razões (geralmente é no plural) você não consegue ser o que você é. Escreva-as num papel. Seja honesto consigo mesmo: se forem dez, não escreva apenas sete. Depois pense como enfrentará cada uma delas. Sim, vai levar tempo. Talvez muito tempo, ou mesmo a vida toda.
Mas você pode começar já a dar um passo ao encontro de você mesmo. Lembre-se de que, sem este primeiro, você não alcançará o ducentésimo-trigésimo-segundo, por exemplo...

Katia Sarkis

segunda-feira, 23 de março de 2009

MEU REINO POR MIM MESMO


CRÔNICA 38


Se há uma pergunta que devemos nos fazer com uma certa freqüência (pelo menos de seis em seis meses) é a seguinte: É a minha vida a vida que estou vivendo?
Raramente a resposta é positiva, digo, inteiramente positiva, pois quase sempre estamos vivendo algo de vidas alheias. A partir da resposta (honesta, é claro), cabe a você fazer alguma coisa para se tornar mais parecido com o que você é.
Mais do que passar a vida em busca da felicidade - coisa, que, na prática, a maioria não faz mesmo – passamos a vida em busca de nós mesmos, de nossa identidade. Queremos ser o que somos. Eis o nosso mais justo desejo.
Primeiramente, temos que saber o que somos ou o que queremos ser ou, ainda, em quem queremos nos transformar. Além do mais, não somos os mesmos o tempo inteiro, pois ele passa e a vida se modifica. A história, que não é aquela matéria escolar que muitos ignoram, existe. E a história é acontecimento, mudança.
Se eu perguntar sobre os seus problemas, você responderá com rapidez e facilidade. Talvez até se estenda na resposta e faça uma lista, ou chore com pena de si mesmo. Mas agora que você já enumerou os problemas e apontou os causadores deles, que tal responder à pergunta inicial: Você está vivendo a sua vida?
E por que não? Você não pode delegar a outro que a viva por você, que seja feliz por você, que realize seus desejos por você. Não há substituto. Você é o único ator que pode representar seu personagem. E que bom que seja desta maneira!
A vida é, portanto, pessoal e intransferível.
Agora examine a sua resposta. Quanto mais longa, melhor, pois mais material você tem para a análise. O que o impede de viver a sua vida? A sociedade? O patrão? A família? O parceiro? Os filhos? A idade? O país?
Mudemos a pergunta: Por que você impede de viver a sua vida? O que faz contra você mesmo? Respire fundo, relaxe e responda.
Bem, agora a resposta ficou difícil de ser dita, como se você não a soubesse. Mas você sabe. Só você sabe. Vá, diga o que está fazendo para ser você mesmo? Esqueça os problemas e responda a você mesmo o que você tem feito para viver a sua vida? Quem sabe se, quando você encontrar a resposta, a maioria dos problemas diminua e até desapareça.

sábado, 21 de março de 2009

QUEM TEM MEDO DE SI MESMO?



CRÔNICA 37



Um amigo, leitor assíduo, me aconselhou procurar um analista, porque, segundo ele, eu tenho fixação na palavra responsabilidade. Quanto à análise, já faço e não penso em mudar de analista. Já quanto à responsabilidade, ela é mais, bem mais do que uma palavra que, por ventura, apareça com frequência nos meus textos. Não fiz a pesquisa, para comprovar estatisticamente que ela seja a campeã, mas espero que a observação deste amigo esteja certa. Diria que ela tem a ver com o meu tema preferido: o livre-arbítrio. Afinal, como pensar o homem sem pensar o livre-arbítrio?
Escritores ou não, todos nós temos as nossas obsessões, as nossas temáticas repetitivas nas conversas banais do dia a dia. Que a minha seja a responsabilidade é uma satisfação, e isto não me torna a pessoa mais responsável do mundo, apenas uma pessoa que pensa esta questão, por pensar sempre o homem.
Sem o intuito de “revidar” a observação, até porque ela me agradou, me perguntei se esta palavra incomodava ou não o meu amigo. Um analista, ao qual não o recomendarei, talvez pudesse fazer comentários mais esclarecedores, se soubesse que se trata de uma pessoa que, apesar dos 35 anos, ainda mora na casa do pai, de quem depende parcialmente para pagar as suas despesas.
O tema agora é outro. Por que será que às vezes as questões colocadas pelos outros que nos desagradam nós vemos como fixações, obsessões ou manias? Ou seja, como algo que foge a uma normalidade. De que estamos fugindo? Se não suportamos ouvir falar muito em responsabilidade, talvez sejamos irresponsáveis. Se nos incomoda tanto o tema da honestidade, talvez sejamos pelo menos um pouco desonestos.
Os nossos medos são muitos. O maior de todos é vê-los à nossa frente.


Katia Sarkis

sexta-feira, 20 de março de 2009

O AUGE É A DECADÊNCIA

CRÔNICA 36


Passeava com uma amiga pelo calçadão da orla, quando de repente ela me diz a seguinte frase: “Quando eu estava no meu auge...” Não fiz perguntas para não ser desagradável, mas fiquei intrigada com o que significava o tal auge. Parecia falar como uma pessoa pública, cujo “auge” é avaliado pelo sucesso de sua carreira, mas, em se tratando de uma pessoa comum, não entendi o que significaria auge.
Parece-me que bombardeados pela mídia sobre a vida de “celebridades” muitos de nós incorporam os padrões e os referenciais destas celebridades para suas vidas e usam expressões como o auge, o ciclo, a nova fase... Expressões comuns no discurso de um artista soam deslocadas na voz de um advogado, por exemplo. O que seria o auge de um professor? Ou a nova fase de um arquiteto? Ou o final de um ciclo de um bancário?
O fato de usarem tais termos é significativo. Estariam eles brincando de artistas, de personalidades públicas, como se estivessem falando para repórteres? De qualquer forma, o caso é sério e oferece muito material para os analistas. Não seria este discurso um modo de esconder (ou revelar) as frustrações e não realizações de quem o usa? Ora, eu finjo que tenho uma nova fase, que encerrei um ciclo, que tenho um auge etc...Ou seja, eu forjo uma identidade e uma história para mascarar as verdadeiras identidades e histórias que me são desfavoráveis. Como eu não fiz o sucesso que esperava, fabrico uma falsa história de sucesso ou fabrico desculpas razoáveis e até dignas de elogio por não ter feito o sucesso.
Digamos que eu justifique o meu não sucesso ou meu fracasso porque eu não quis me vender ao sistema, não me submeti aos desmandos do patrão, não prejudiquei a qualidade do meu trabalho, não abandonei a família, não trai princípios políticos ou religiosos.
A amiga em questão, embora tenha se formado em teatro, jamais atuou em peça alguma. Daí talvez falar como uma atriz de carreira, quando na verdade só trabalhou como funcionária pública, sem especificação profissional. Diria o analista que ela gostaria no fundo de ter sido atriz, mas, por alguma razão ou várias, desistiu da profissão. Insatisfeita com a atual atividade profissional, fala como se fosse a atriz que não foi e não é.
A fantasia nestes casos é mais do que explícita.
Mário de Andrade disse certa vez que “o auge já é a própria decadência”. Ele estava se referindo à literatura, mas a frase serve para qualquer situação. No discurso de minha amiga, o hipotético auge é a decadência da verdade e da autoaceitação. Daqui a 20 ou 30 anos, como será seu discurso? Se encontrar interlocutores novos, poderá fantasiar à vontade e criar histórias sobre sua vida que jamais aconteceram ou parecerá senil e louca para os conhecidos antigos.
O velho mote da vida que poderia ter sido e que não foi muito alimenta as conversas de velhos, estejam em asilos com outros velhos ou não. A vida não é recordada pelo que aconteceu, mas pelo que poderia ter acontecido. O velho tende a fabricar uma outra vida, como compensação pelo que não viveu.
Amigos, prestem atenção a seu discurso. Se você fala como se tivesse sido famoso um dia e não foi, cuidado. Você está se negando. Seja lá o que você foi ou é tem muito mais importância do que o ser que você não foi ou gostaria de ter sido. Viva a sua vida e não a sua hipótese.

quinta-feira, 19 de março de 2009

POR QUE SERÁ QUE AS COISAS NÃO DÃO CERTO?


CRÔNICA 35



Muitos passam a vida se lamentando, dizendo que não têm sorte e que nada dá certo. Acomodam-se à sina, ao destino que lhes coube, e se sentam em poltronas razoavelmente confortáveis e reclamam da vida conjugal, da família, da vizinhança, dos colegas de trabalho, do técnico da seleção e dos políticos. Nada fazem pelo mundo.
Ora, todos já se sentiram alguma vez (ou várias) traídos pela sorte, como um time que perde o jogo no último minuto. Levam a mão à cabeça e param perplexos como se não acreditassem que isto está acontecendo com eles. Lembro-me de que uma vez fiquei uns vinte minutos olhando para o lugar onde havia deixado o carro, sem aceitar que ele tinha sido roubado. Mas logo o meu carro! E ainda por cima um carro velho! Por que eu fui parar justo nesta rua?
O passo seguinte a uma decepção ou perda é normalmente não dar passo algum, ou seja, a inércia. E mais adiante, talvez a depressão. Às vezes, permanecemos desanimados e imóveis por meses ou até mesmo anos, presos às adversidades.
Nestas horas, surge a velha pergunta: Por que será que as coisas não dão certo? Normalmente não temos as respostas e, por não termos as respostas, continuamos fazendo as mesmas coisas de antes. É estranho fazer tudo igual de novo para obter o mesmo resultado negativo.
Por que nem sempre mudamos quando verificamos que algo não deu certo? Poderemos errar de novo, perder de novo, mas teremos tentado algo diferente.
Será que achamos que viver tem que ser um ritual de fracassos? Ou não admitimos nenhum tipo de mudança por alguma secreta razão? A verdade óbvia é que se formos pelos mesmos caminhos chegaremos sem dúvida aos mesmos lugares, aos quais não queríamos mais chegar.
Primeiro, troquemos a pergunta: Por que será que temos dificuldade de fazer as coisas diferentes? Talvez seja o caso de nos dedicarmos mais às nossas tarefas. Talvez até dobrar o esforço e o empenho, mesmo que os atuais já sejam bons. A vida é sempre também uma questão de exercício.

Katia Sarkis








quarta-feira, 18 de março de 2009

O TEXTO ERRADO NA CENA ERRADA

CRÔNICA 34

Tenho sido mediadora de um casal amigo em fase de separação, uma espécie de espiã dupla, infelizmente. É uma situação desagradável , da qual não consegui escapar, pois muitas vezes, ao fim de algum tempo, os dois se voltam contra o mediador, acusando-o de traição. Ou seja, eu corro o risco de ficar mal com os dois.
É só mais uma separação, dirá o leitor, que, dependendo da idade, já conviveu com muitas, além da própria. Primeiramente, separação nunca é só mais uma. Todas são difíceis, pelo menos para um dos dois. E segundo pesquisas na área médica, a separação vem em primeiro lugar como causa de depressão, superando inclusive a viuvez.
Mas não é exatamente da separação que quero falar agora, e sim da reação da minha amiga. Em todas as conversas que temos, ela repete que não sabe se o aceitará de volta, que não sabe se irá perdoar a sua traição, que, quando ele voltar, as coisas serão diferentes, bem diferentes. Sinto-me mal, mas não posso lhe dizer que ele não vai voltar, pois, de fato, já se mudou para o apartamento da outra e que parece feliz com a mudança.
Sei que não é fácil lidar com a traição e com a separação e que as reações são as mais diversas. Não julgo a conduta dos recém-separados, pois eles sabem a dor e a tristeza do momento. Agora penso sobre as frases da minha amiga. Em todas, há a certeza da volta do marido e é sempre ela o sujeito da ação: quem vai aceitar de volta ou não, quem vai perdoar ou não. Parece-me que ela mantém um texto inadequado para a cena. Quero dizer, este texto é de outra peça e de outro personagem. Ela não é o sujeito da ação, mas o ex-marido que saiu de casa. E não sei se, inconscientemente, ela diz essas coisas para sofrer menos.
O fato é que não lhe cabe mais aceitá-lo ou não de volta, porque ele não voltará. Ela já perdeu o poder de decisão sobre o relacionamento. E sobre isto que quero falar: sobre a insistência em um texto, quando ele não diz mais respeito aos acontecimentos. O caso da separação aqui é só um exemplo.
Será que muitas vezes não assumimos a máscara de um personagem, a qual se cola de tal forma em nosso rosto, que não conseguimos mais tirá-la? Ora, a peça mudou, a cena mudou, os personagens mudaram, e continuamos com as mesmas falas. Logo o diálogo não acontecerá, pois os outros personagens, ao contrário de nós, estão na peça certa.
No teatro e no cinema, vemos atores que fazem sempre o mesmo tipo ou o mesmo papel: o vilão, o padre, o garçom, o angustiado. Será que na vida real também não há pessoas com tendência a fazer o mesmo papel? Será que não dizem frases de sujeito em momentos que são pacientes? Imagine o personagem vilão achando que é o garçom. No mínimo ele vai quebrar a louça e derramar bebida nos fregueses. Este seria um pequeno desastre, se comparado com agir ignorando a realidade e insistindo em falas e atitudes fora de hora e de lugar.
Katia Sarkis

terça-feira, 17 de março de 2009

A SUPERIORIDADE É BRANCA


CRÔNICA 33


Você não deve querer provar nada a ninguém. O seu único referencial deve ser você mesmo. Aja como o atleta que verifica a marca obtida em comparação com a anterior, não com a de outro atleta. Evite a comparação inútil e a possível frustração, pois sempre poderá haver um atleta mais veloz, ao passo que você fará sempre o melhor desempenho de si mesmo.
Normalmente cometemos este equívoco de querer mostrar para o antigo patrão, para os ex ou para os vizinhos que “demos a volta por cima”, e conseguimos um emprego com salário mais alto, um namorado mais carinhoso ou um bairro de mais prestígio. É uma fraqueza humana, e é uma bobagem.
Na avidez de exibir ao outro a “nova felicidade”, agimos de modo primário e o outro logo percebe a nossa verdadeira intenção, que é a satisfação em mostrar que somos felizes e não o fato de sermos. Em outras palavras, a nossa intenção de ostentar uma vitória tem um sentido contrário: mostramos, sim, o quanto ainda estamos presos ao ex-patrão, à ex-mulher, ao ex-amigo... Se não déssemos mais importância a eles, não precisaríamos fazer com que eles soubessem de nossas vidas. Não fingiríamos passar com um carro caro pelas ruas do antigo bairro; não mandaríamos “recado” por amigo comum para o ex-namorado, para que ele soubesse que estamos muito bem com outra pessoa...
A vida não pode ser uma vingança. Aliás toda vingança é um mal-entendido, um desperdício. As nossas realizações devem ser coisas novas e não revides a tristezas antigas. Não se é superior quando se quer ser superior. A superioridade é coisa íntima, não se expõe, não se publica. O contrário é permanecer no ressentimento, na mágoa, no despeito, em suma, na inferioridade.
Quem perde tempo com a destruição do outro não consegue erguer nada de bom para si. E quem perde tempo também exibindo as novas realizações deixa no ar a dúvida de que sejam realizações de fato ou só aparências.
As felicidades frágeis são facilmente descobertas, pois elas se escondem num penteado diferente, num estilo novo de se vestir, numa forma afetada de falar ou num discurso de conteúdo mal fundamentado. A superioridade exige discrição e às vezes até isolamento. Quando há luzes e holofotes é sinal de que ainda não foi desta vez que houve aprendizagem.

katia Sarkis











segunda-feira, 16 de março de 2009

OS MAL-ACOSTUMADOS

CRÔNICA 32




Você talvez seja do tipo que faz muitas coisas: trabalha, estuda, cuida de filhos, da casa, dá assistência a parentes, e ainda consegue praticar um esporte e ter algum lazer no fim de semana. Digamos que, só por exemplo, que você também dedica-se à pintura nas “horas vagas”. É claro que você é bastante ágil e dorme pouco, afinal o dia tem 24 horas para todos. Não há milagre.
Digamos mais: este seu hobby adquiriu outra dimensão e você passou a fazer exposições há seis anos. Tem feito uma exposição bienal na galeria de uma amiga e tem até recebido boas críticas dos visitantes e vendido alguns quadros, embora ainda não tenha sido descoberta pela mídia.
Mas no ano passado, que seria o ano “sim” da exposição, você não a fez. Então alguns amigos perguntaram se você parou de pintar e familiares andam preocupados com você, suspeitam de problema de saúde ou de relacionamento conjugal.
Apesar de todos saberem de suas inúmeras e inverossímeis atividades, todos acharam normal quando você começou a pintar e a expor. Na época, ninguém perguntou como você conseguia ter tempo para “virar artista”. Houve até quem dissesse que, finalmente, você tinha tomado vergonha na cara e concretizado o seu sonho de pintora, como se você não tivesse pintado até aquele momento por vagabundagem ou incompetência.
Agora, os mesmos que não se espantaram durante anos com sua capacidade de realizar múltiplas tarefas se espantam porque você não fez uma exposição esperada e, pior, a criticam por ineficiência.
Esta é só uma história e você deve conhecer várias parecidas. O curioso é que ninguém se surpreende com o médico que tem quatro empregos, faz plantões semanais, cursa uma pós-graduação e ainda escreve artigos para uma publicação científica. Basta não sair um texto seu em um número da revisa e ele já é chamado de preguiçoso. Antes ninguém se importou com as quatro horas mal dormidas, com as refeições normalmente não feitas, com a não realização dos exercícios físicos que ele tanto recomenda para seus pacientes etc etc
Em suma, você é julgado pelo que não faz ou para de fazer, e não pelo que faz. O revisor que detectou e consertou 999 erros em um livro é condenado por não ter percebido o milésimo: a falta de uma crase. Talvez até seja despedido. Ninguém quer saber que, como ele recebe pouquíssimo por página revisada, é obrigado a aceitar trabalho em excesso, prejudicando, assim, a qualidade de sua revisão. Isto sem falar que um revisor não é máquina e que o erro passa, não por falta de conhecimento, mas de “visão”.
Agora que tal olhar para os que cobram e criticam. Normalmente eles não realizaram um sonho como o da pintora, não trabalham nem a metade do médico, não fazem cursos, não leem, mas estão sempre muito “ocupados” e “cansados”. Parecem-se mais com os revisores, porque adoram ver um “erro”, nos outros, é claro. E vão simplesmente apontá-lo com ar superior.


Katia Sarkis

domingo, 15 de março de 2009

OS OBJETIVOS II




Crônica 31


Vamos abordar algumas características dos objetivos. Primeiro, eles têm que ser realistas, isto é, realizáveis. Você não pode ter como objetivo ser bailarina profissional aos quarenta anos, pois o seu corpo já passou do tempo para este tipo de atividade. Isto só acarretaria tristeza e frustração. Logo um objetivo é algo que você pode conseguir.
Em segundo lugar, se para se alcançar um objetivo, você precisa esperar alguns anos, pense em dividi-lo em etapas, caso contrário, há o risco de você desistir, porque você não terá paciência e perseverança para agir durante tanto tempo, sem ver resultado.
Depois verifique se o objetivo é específico e mensurável. Se o seu objetivo é ter bem-estar ou felicidade, como saber se o atingiu? Mas se for perder dez quilos dos seus atuais oitenta, em um determinado tempo, você tem um objetivo delimitado e capaz de ser reconhecido. Basta olhar a balança e você verá que seus esforços estão tendo êxito. E, mais magra, você certamente se sentirá melhor e mais feliz.
Por último, o objetivo tem que ser algo que dependa só de você. Se o seu objetivo for ser mãe de um engenheiro ou de um pintor, você está apenas mostrando desejo de controlar a vida alheia, e não de realizar a sua. Se for o caso de outra pessoa ter que fazer algo para concretizar o seu desejo, este desejo tem que ser dos dois, e não só de você. Lembre-se: todo objetivo prescinde da participação de outros.
Vamos a um exemplo. Suponhamos que eu queira fazer um concurso público para uma carreira fora de minha área. Logo meu objetivo é a realização financeira, e já não a profissional. O primeiro passo, então, é escolher a área, depois buscar informações a respeito das provas, frequentar um curso preparatório e estudar também em casa. Ora, todos sabemos que estes concursos são bem concorridos e que as provas são difíceis, ainda mais por serem de área diversa da nossa formação. Isto significa que os poucos que são classificados e chamados pelo governo tiveram que estudar durante anos. Em outras palavras, é um objetivo a longo prazo.
Temos aqui um propósito específico, a aprovação em um determinado concurso público, e não um desejo vago de estabilidade financeira. Agora se ele é realista ou não vai depender de várias circunstâncias: a formação, a cultura, a capacidade de aprendizagem, o material usado para estudo, os cursos, o tempo dedicado ao estudo, a perseverança...
Neste caso, convém dividir o objetivo em inúmeras etapas. No lugar de pensar que tenho que aprender toda a gramática da língua portuguesa em dois anos, penso em estudar, por exemplo, sintaxe, no primeiro semestre. E, melhor, faço um organograma do estudo e, assim, sei que a primeira semana será dedicada à concordância verbal. Quando fizer os exercícios só sobre esta matéria, será fácil avaliar meu rendimento e a realização do estudo dentro do prazo predeterminado. São as pequenas satisfações e conquistas que me manterão com disposição para levar o projeto durante os anos necessários.
Lembrem-se de que o objetivo de se preparar é um e o de passar, outro. A aprovação é a possível consequência. A propósito, muitos confundem consequência com finalidade. Ambas as idéias de fato se referem a fatos posteriores, mas são bem diferentes. O melhor advogado é aquele que teve como finalidade seguir esta carreira, e não como consequência de seu curso de Direito. Por outro lado, a maternidade e a paternidade devem ser a consequencia de um bom relacionamento a dois, e não a finalidade de um só ou mesmo do casal.
Toda consequência, sabemos, tem uma causa a seu lado, antecedendo-a. E a finalidade, ou seja, o objetivo, também tem alguma causa? Que tal, então, nos olharmos como as causas de nossas consequências, afinal estamos sempre no lugar para onde nós mesmos nos levamos?

sábado, 14 de março de 2009

O VALOR DOS OBJETIVOS


Crônica 30



Hoje o nosso tema são os objetivos que temos na vida. Primeiro, infelizmente, a maioria das pessoas não os tem, porque simplesmen-te não ouviram falar de objetivos, quando eram crianças ou adolescentes. E, quando perceberam a sua necessidade, já eram adultas e já estavam na roda viva, com muitas ocupações e, portanto, sem tempo para parar e pensar sobre eles. Talvez os pais tenham dito que ele tinha que escolher uma profissão, mas ser advogado, por exemplo, não é um objetivo suficiente. Um diploma de Direito é só a permissão para que você exerça a profissão de advogado, não é a profissão.
O fato é que sem objetivos definidos e claros para nós mesmos, é difícil realizarmos os nossos desejos, porque eles permanecem intangíveis. Temos a mania de dizermos que gostaríamos disso e daquilo, mas, normalmente, nada fazemos para satisfazer os desejos. Há o sujeito que passa a vida inteira dizendo que gostaria de conhecer Paris e não dá um passo sequer em direção à capital francesa. Primeiro é preciso ter um passaporte, comprar a passagem e levar dinheiro para as despesas de viagem. Caso saiba um pouco da língua, será melhor, mas não é imprescindível, pois ele pode fazer uma excursão e o guia servirá de intérprete.
Então o que ele precisa é economizar durante algum tempo, que vai variar de acordo com o seu salário, e parar de usar o futuro do pretérito. Ora, se ele recebe um salário mínimo, é claro que ele jamais irá a Paris. Neste caso, ele tem problemas e necessidades bem mais sérias do que fazer uma viagem à Europa. Refiro-me aos que, potencialmente, podem ir a Paris e não vão, por razões secretas que dizem respeito a sessões de análise, e não a esta crônica.
Digo isto, para tentar definir melhor o que é um objetivo. Ir a Paris no exemplo acima não era um objetivo do sujeito da história, era só um modo de falar sobre a sua inércia diante de supostos desejos. Objetivo na verdade é uma meta para a qual nós nos encaminhamos e pela qual fazemos tudo o que for preciso. Quando fazemos pouco ou desistimos no meio do caminho, não era um objetivo. Era talvez só uma fantasia, na falta de palavra melhor.
Não queremos dizer que, obviamente, basta ter um objetivo para alcançá-lo. E, sim, que temos que agir, agir e agir.
Façamos um teste. Pergunte às pessoas ao seu redor quais os seus objetivos na vida, desde os mais simples e imediatos aos mais distantes e duradouros. Aposto que a maioria vai se embaraçar para dar a resposta, porque provavelmente nunca pensaram nisto, embora ninguém vai querer admitir que tem vivido até agora sem objetivo algum. Pensemos a respeito.

Katia Sarkis

sexta-feira, 13 de março de 2009

VOCÊ É O TEMPO QUE TEM?


CRÔNICA 29


Tenho ouvido muitas vezes a frase “Você é o que come!”. É razoável que se tenha cuidado com a alimentação, mas que isto se dê de forma realista e, sem querer usar de ironia, saudável, já que saúde não se obtém só pela alimentação. Mas na verdade alimentação não é o verdadeiro tema desta crônica. Portanto, continuem atentos com o tipo e a qualidade de comida que ingerem, enquanto vamos esclarecer que esta frase é só o ponto de partida para a nossa pequena discussão.
A sensação que tenho quando ouço esta frase é que a pessoa que a fala só se dedica à alimentação o dia inteiro, pois consegue relacionar qualquer fato da vida aos hábitos alimentares. Parece-me que especialistas em qualquer área veem a sua especialidade no todo, ou seja, não enxergam mais nada.
Ninguém provavelmente vai ter tantos cuidados com um carro do que um mecânico. Ele certamente sabe o significado de cada ruído do carro e age imediatamente assim que o ouve. Já quanto à alimentação, talvez não seja o modelo a ser seguido, pois seu pensamento está mais voltado para carburador e motor do que para frutas e legumes. Nada mais razoável.
Se adaptarmos a frase para outras situações, poderíamos dizer que “Você é o que veste!”, “Você é o que vê!”, “Você é o que ouve!” e por aí vai. Ora, como o dia só tem 24 horas, você não pode ser especialista em todas as coisas e, infelizmente, você vai ter que se descuidar de muitas. Mas alimentação é fundamental, podem contra-argumen-tar. Já o patrão, que paga o seu salário vai dizer que o trabalho é mais importante, pois é graças a ele que você tem dinheiro para se alimentar. E é por causa do trabalho também que normalmente comemos na rua rapidamente refeições nem sempre muito recomendáveis.
Como jornalista eu diria que você é o que lê. A propósito, quantos livros você lê por semana? Qual foi o último livro que leu? Há quanto tempo? Você lê livros fora de sua área de interesse profissional? De que tipo? Que jornais você lê diariamente? E revistas?
Se as suas respostas forem negativas, porque você não tem tempo, lembre-se de que a falta de tempo justifica tudo: não ler, não comer direito, não fazer exercícios, não cuidar do carro, não ter lazer, não telefonar para os amigos, não arrumar os armários e estantes, não terminar a monografia etc
Será que a frase certa seria “Você é o tempo que tem!”?

quinta-feira, 12 de março de 2009

A FALTA DE INTIMIDADE

CRÔNICA 28




Ouvi de uma viúva que, durante 43 anos de vida a dois, eles nunca souberam o salário um do outro. Apesar da intimidade do sexo que uma união de tantos anos pressupõe, eles não tinham intimidade para perguntar quanto o outro ganhava. Isto mostra que jamais houve planejamento naquela família, pois como estabelecer objetivos e realizar desejos, se não sabemos o dinheiro de que dispomos para tanto.
Ou, podemos concluir, que o planejamento, se houve, era individual e nunca, é óbvio, do casal, mesmo que a finalidade fosse adquirir algo para a família. Neste caso não vejo um exemplo de independência (sempre bem-vinda), mas de individualismo. E, pior, de falta de intimidade, de falta de cumplicidade, de falta de parceria.
Pasmem, que não é um caso isolado.
Discretamente (se é que existe descrição nesta pergunta), passei a indagar a pessoas conhecidas ou não se o casal sabia o salário um do outro. Para minha surpresa e decepção, a maioria disse que não. E, é claro, não deram nenhuma resposta razoável. Envergonhadas, criavam desculpas esfarrapadas para disfarçar o constrangimento de terem que admitir este problema conjugal.
Dependendo da cultura, as pessoas têm mais ou menos facilidade de perguntar ao outro qual é o seu salário. Em alguns países, esta pergunta é vista com naturalidade; em outros, como falta de educação. Muitas vezes é encarada com suspeita, como se a pessoa que perguntasse estivesse movida por inveja, e não por simples curiosidade.
O fato é que em nosso país as pessoas não gostam de dizer quanto ganham, seja a renda baixa ou alta. Uns têm vergonha do pouco dinheiro e outros têm medo, não só da inveja, mas de pedido de empréstimo, roubo ou sequestro. Agora estas razões não servem, quanto se trata da própria mulher. Se você acha que sua mulher tem inveja de você, se separe ontem. E se você acha que sua mulher pode roubá-lo ou sequestra-lo,se separe anteontem.
Confesso que não me sinto à vontade de perguntar a um amigo quanto ele ganha, a menos que a situação me leve naturalmente a tal pergunta. Por exemplo, tive que recentemente saber o salário de um amigo para provar-lhe que ele estava administrando mal seus oito mil mensais e que ele não tinha razão para reclamar tanto. Mas não perguntar nem dizer o salário para a pessoa amada significa que algo vai mal na vida a dois.
E se os filhos também não sabem quanto a mãe e o pai ganham significa que estes pais, além de não terem intimidade com os filhos, não são bons educadores. Casal e família são substantivos que trazem a idéia de plural, logo não aceitam atitudes individualistas e distantes.

quarta-feira, 11 de março de 2009

DUAS AMIGAS

CRÔNICA 27



Há quinze dias sai para almoçar com duas amigas e, é claro, a conversa volta e meia girava sobre as outras amigas em comum. A Maria trouxe à tona a situação de Carmem que não consegue emagrecer e que, em consequência, está tendo problemas de saúde. Disse não entender por que ela não faz exercícios nem dieta. Falta-lhe força de vontade de mudar a vida, continuava Maria, sinceramente preocupada com a amiga. E ainda acrescentou que se Carmem não fizer algo em pouco tempo, logo será muito tarde.
Maria tem um corpo saudável e bem feito. É professora de Biodança, o que esclarece seus cuidados com o corpo. Dá aulas particulares ou para pequenos grupos em uma sala comercial que aluga em Botafogo. Financeiramente vive na corda bamba, com o mês acabando antes do dinheiro, e fechando a contabilidade quase sempre no vermelho e no cheque especial.
Já Carmem, apesar de não ser formada, teve relativo êxito profissional, e sempre se sustentou e seus dois filhos. Para ela as duas mensalidade da faculdade particular vêm em primeiro lugar, pois quis dar a eles o bom estudo que não teve. Além disso, oferece um certo conforto aos filhos, com direito a carro e bom apartamento. A outra menina de seus olhos é o apartamento em Cabo Frio, para onde costuma ir às sextas-feiras à noite para descansar do estresse semanal.
Ontem encontrei com Carmem na rua. Ela estava vindo exatamente da aula de biodança com Maria, que faz (ou tenta fazer) por recomendação médica. Disse-me, sinceramente preocupada, não entender por que Maria não trabalha mais ou por que se sujeita a esta profissão. Não sabe como uma mãe não se dedica aos filhos e que, se não fosse por uma bolsa obtida por um tio vereador, os filhos de Maria estariam estudando em qualquer coleginho. Com o que ganha, a professora, ironicamente, não dispõe de dinheiro nem para pagar uma mensalidade de aulas de biodança. Falta-lhe força de vontade para mudar a vida, continuava Carmem. E ainda acrescentou que se Maria não fizer algo em pouco tempo, logo será muito tarde.



katia Sarkis














terça-feira, 10 de março de 2009

POR QUE NÃO FAZEMOS O QUE DEVE SER FEITO?



CRÔNICA 26


Serei prosaico no início e perguntarei coisas simples. Por que não fazemos diariamente os exercícios que sabemos há muito tempo que nos fazem bem. Mais do que fazer bem, são imprescindíveis. Por que esperamos um problema físico para, agora com a exigência e não mais recomendação médica, iniciarmos a ginástica ou o alongamento ou a yoga? Por que adiamos para a segunda-feira de 2012 o início do regime? Por que não pomos em ordem a papelada do escritório? Por que não damos aquele telefonema que agendamos há três meses?
Ora, quem faz agenda sabe quantas coisas se acumulam em suas páginas, às vezes até mesmo de ano para ano, e muitas jamais serão feitas. E por quê? Se coisas pequenas são adiadas e não feitas, imagine o adiamento e a não realização das grandes coisas. Se o conserto do aparelho que levou seis meses nos atrapalhou, o que dizer da decisão de fazer um curso ou não, de mudar de profissão, de ir para outro bairro, de se separar, de...?
A primeira resposta é que não temos tempo. E muita gente de fato tem pouco tempo para as tarefas diárias e nem sequer anota em uma agenda as coisas que não irá fazer. Mas há também muita gente que usa mal o tempo, que diz não ter tempo, quando tem. Há muita desculpa, até “nobre”, que usamos para justificarmos para nós mesmos e para os outros o fato de fazermos pouco. Ninguém gosta de admitir que é preguiçoso, indolente e incapaz. E por não admitir vai morrer assim e reclamando que não tem tempo.
E quando citamos exemplos de pessoas que, muito mais atribuladas, produzem mais, os preguiçosos sempre buscam invalidar o nosso exemplo, envergonhados da ineficiência e do desleixo com que conduzem as próprias vidas.
Se nós tivéssemos em mente os benefícios da ginástica, do regime, do escritório organizado, da correspondência em dia etc, nós talvez não demorássemos tanto para iniciar as atividades e tarefas que diariamente esperam por nós. Assim como qualquer chuvinha é desculpa para não se ir à academia, um filho é uma excelente desculpa para não se fazer inúmeras coisas. Embora um filho criado em uma família que não adia as coisas, terá tido um exemplo muito mais útil para a sua vida do que aquela companhia da mãe num determinado dia, quando ela deveria ter ido a uma repartição pública resolver um problema de imposto predial.
Não sei se o leitor reparou quantas vezes usei o vergo iniciar hoje. Não foi por acaso. Que tal antes que o dia acabe, iniciar alguma coisa que está a sua espera há algum tempo. Perdoe-me a redundância, mas “iniciar” é sempre um bom começo.

segunda-feira, 9 de março de 2009

CUSTO E BENEFÍCIO


CRÔNICA 25



A expressão custo-benefício veio da área econômica e passou a ser usada nas mais variadas situações. À primeira vista, pode parecer uma forma fria de tratar as coisas, como se estivéssemos falando apenas de negócios e não das relações humanas. Caso a expressão o incomode por esta razão, desfaça-se desta opinião e veja que, didaticamente, ela é muito útil para fazermos algumas análises.
Somos todos adultos, logo podemos ver que os acontecimentos têm um custo (o que não significa necessariamente um valor em reais ou em euros) e, quem sabe, um benefício. Se você hoje está formado, sabe que isto custou pelo menos 15 anos de estudo e que o benefício, além do diploma e do direito a exercer uma profissão, é o conhecimento adquirido ao longo destes anos. E se você é (espero que sim) alguém que gosta de estudar, o tempo dedicado à escola, à leitura etc não foi tão “custoso” assim.
O mesmo ocorre em vários momentos da vida, e o que pode ser custo para uns não o é para outros; quanto ao benefício, se dá o mesmo, e o que eu julgo ser bom para mim pode não ser para você. Quero dizer com isto que a subjetividade está presente nesta relação custo-benefício. Ainda: esta expressão não pode ser substituída por mal-bem, o custo não é um mal que a longo prazo traz um benefício, isto é, um bem.
Entendendo então que custo não significa algo ruim, mas algo que precisa ser feito para se atingir tal objetivo e, consequentemente, conseguir determinado benefício, todas as coisas têm um custo. Em outras palavras, não há nada de graça nesta vida.
Se você acha que merece receber coisas de graça. me dê algumas boas razões para isto. Por que você mereceria as benesses do mundo e seu vizinho, não? Num sentido todos merecem as boas coisas do mundo: no outro, todos também têm que se empenharem para fazerem jus a este merecimento.
Façamos aqui um balanço a sós. Vai uma sugestão. Apanhe papel e caneta e escreva 5 fatos de sua vida atual e ao lado o custo e o benefício de cada um. Feita a relação, veja se algum fato parece ser sem ter custo ou sem ter benefício. Nos dois casos, há algum problema. Um fato da vida que não tenha causa ou efeito está solto no ar. Desconfie dele e tente modifica-lo.

Katia Sarkis






domingo, 8 de março de 2009

COMO VOU PAGAR AS MINHAS CONTAS?

CRÔNICA 24




Hoje reproduzo um diálogo ocorrido há dias na praia com uma colega recém-separada.

C – Agora como vou pagar as minhas contas?

KS - Com dinheiro.

C – Mas não tenho o suficiente.

KS – Então você vai precisar trabalha mais, se quiser gastar mais.

C- Não quero gastar mais, só o que venho gastando durante estes anos.

KS – Você agora está solteira de novo, não pode gastar o que gastava quando fazia parte de um casal. A vida de solteiro é mais cara. Logo você vai ter que trabalhar mais ou fazer cortes em suas despesas.

C – Não me conformo em diminuir o meu padrão de vida.

KS – Quantas horas por dia você trabalha?

C – Quatro.

KS – Que tal trabalhar oito ou nove como a maioria das pessoas?

C – Eu preciso de tempo para a ginástica, o cabeleireiro, as compras, a aula de artes plásticas, a casa...

KS – E ele? Como vai pagar as contas dele?

C – Não sei, mas é problema dele.

KS – Certamente, ele terá que também gastar menos.

C – Se ele não tivesse ido embora, nada disso teria acontecido. Ele não podia ter feito isto comigo.

KS – Ele não fez “isto” com você. Vocês fizeram e desfizeram a relação juntos.

C – E, ainda por cima, ele quer vender o apartamento que compramos financiado.

KS – Quem paga as prestações?

C – Nós dois.

KS – Então me parece normal que vocês vendam o imóvel e dividam o dinheiro. Talvez já sirva de entrada ou algo mais para um apartamento menor.

C – Mas eu não quero sair de lá. É um apartamento novo num bom prédio, com infra-estrutura...

KS – Então pague o aluguel do novo apartamento dele.

C – Mas eu não tenho dinheiro.

KS – Isto você já disse várias vezes. Lembre-se da lição do primário: não se pode tirar vinte laranjas de um cesto com dez. Ninguém pode gastar mais do que o seu salário permite. Em linguagem econômica, a despesa jamais pode ser maior do que a receita. Estou vendo que você não é boa em números.

C- Você não entende. Quero saber como vou pagar as minhas contas?

KS – A pergunta é quem e não como. Você deveria dizer “Quem vai pagar as minhas contas?” Ora você já respondeu no pronome possessivo “minhas” da pergunta. Cabe a você, a mais ninguém, pagar as SUAS contas. Simples, não?

Katia Sarkis

sábado, 7 de março de 2009

ADULTO TEM QUE AGIR COMO ADULTO



CRÔNICA 23



A sogra de uma amiga, quando soube que ela queria se separar de seu filho, chamou-a para uma conversa amiga, de mulher para mulher, de mãe para filha (ela podia trata-la assim, não podia?). Em cinco minutos de conversa, estava bastante claro o objetivo do convite: tentar convencê-la a todo custo que ela não deveria (ou não poderia) abandonar o marido (por sinal, seu filho).
Não há dúvida de que separação não é uma coisa boa, sendo a causa número um de depressão, antes até da viuvez ou da perda de alguém querido. Por outro lado, sabe-se também que a maioria dos relacionamentos estatisticamente acaba em separação. Isto não diminui a dor, mas há muito desfez o tabu e descriminação que havia em relação a pessoas separadas. Em escolas de certos bairros, a maioria dos alunos tem os pais separados, razão pela qual já não se festeja mais o dia dos pais e, às vezes, nem o das mães. Para evitar o constrangimento do aluno diante da ausência dos pais.
Só que a sogra (a quase-mãe) mudou, em pouco tempo, o tom de voz e a atitude. Disse-lhe que uma mulher de bem não deixa o marido, não destrói uma família. Disse-lhe para pensar melhor, pois logo,logo iria se arrepender e então seria tarde e que nunca mais ela seria feliz de novo. Mais do que uma relação era à vida dos dois que ela estava pondo um fim e só Deus tem o direito de tirar a vida do homem.
Pouparei os leitores da continuação do melodrama. Só não digo que a sogra chamou-a de vadia e bandida porque este espaço não usa este tipo de linguagem. Direi apenas que depois de 40 minutos, a nora saiu do apartamento da sogra, sem ar e abalada. Sem saber o que fazer ou para onde ir, telefonou-me para encontrá-la. Como a hora não era de censura, pouco falei em nosso encontro, limitando mais a escutá-la.
Agora, na crônica, envio-lhe o recado. O que ela esperava do discurso da sogra? Que homem é este que precisa que a mãe fale autoritariamente com a própria mulher? Que mulher é esta que vai à casa da sogra para ouvir suas censuras e críticas? Talvez esteja aí a causa (ou uma delas) da separação: apesar da idade, o casal se portava como filhos, não como adultos.
E, quanto à sogra, que desastre!

Katia Sarkis








sexta-feira, 6 de março de 2009

O INFERNO SÃO OS OUTROS; O PARAÍSO TAMBÉM.



CRÔNICA 22


Sabe aquela amiga que já perguntou 4 vezes o endereço do seu novo cabeleireiro, porque que ir lá também e fazer um corte igual ao seu, pois você nunca ficou tão bem na vida, afinal o penteado que você vinha usando há 15 anos já estava mesmo fora de moda e, se você quer saber a verdade, jamais combinou com seu tipo de rosto etc etc?
Ela é também aquela que vive insistindo que você tem que fazer um workshop de Renascimento, pois fez muito bem a ela, que se sente outra pessoa depois daquele encontro e ela não entende como você ainda não agendou o seu “renascimento” e que você está perdendo tempo, já fulana, amiga comum de vocês, fez e adorou e até já se sente outra, inclusive pensa em se separar e abrir uma loja de produtos naturais, que foi sempre o sonho dela na vida, mas o parceiro não dava força para os negócios etc etc
Ora, será que esta sua amiga (vamos continuar chamando-a assim) tem algum momento da vida sozinha, alguma atividade na qual se perceba como indivíduo? É triste, mas muitas pessoas não são indivíduos, e precisam o tempo todo da aprovação ou da cumplicidade dos outros. Só se vestem de acordo com a “moda”, só emitem opiniões que julgam ser senso comum, só consomem os produtos anunciados na televisão e, de preferência, pelos atores mais famosos da novela de sucesso da temporada.
Há alunos que, quando o professor de redação dá tema livre, não conseguem escrever uma linha. Por uma razão muito simples: não sabem ser livres nem nas pequenas coisas. Sua amiga foi uma aluna assim na adolescência e está feliz na idade adulta, por não precisar ter que fazer mais redação e não ter que expressar o que pensa e sente. Será por que ela não pensa e sente? Ou será por que só pensa e sente o que outros já pensaram e sentiram e aprovaram?
De qualquer modo, dê o endereço de seu novo cabeleireiro a ela. Pode até ser desagradável as duas saírem juntas com o mesmo feitio de cabelo, e todos perceberem que ela ficou parecida com você. Não se aborreça tanto, pois poderia ser pior: você ficar parecida com ela.

Katia Sarkis




quinta-feira, 5 de março de 2009

TODAS AS COISAS TÊM UM PREÇO



CRÔNICA 21



Tudo custa alguma coisa, o que não quer dizer que tudo seja pago com dinheiro. O custo pode ser dedicação, empenho ou sacrifício. Mas que não há nada de graça é ponto pacífico. Se você não sabe disto é porque você finge que não sabe disto e, portanto, não gosta de pagar o preço das coisas. Ou talvez haja outra pessoa (ou pessoas) pagando por você. Caso você não seja mais uma criança, estamos diante de um problema sério.
Como o seu ídolo (pelo menos espero) não é o Jorginho Guinle que se orgulhava publicamente de jamais ter trabalhado um só dia na vida, vamos continuar a nossa conversa. Partamos do princípio de que você tem mais de 21 anos, é adulto e, portanto, não depende mais de seus pais
Você paga as próprias contas e satisfaz as suas necessidades.
Agora vejamos o preço (fora da área das finanças) das demais coisas. O preço para permanecer naquele emprego talvez seja usar uma ridícula gravata ou chegar pontualmente às 7 horas. Certo, toda gravata é estúpida, mas você perderia o seu salário por este motivo? Sem dúvida que dormir até as 7 é bem melhor do que entrar no serviço nesta hora, mas será que não valeria a pena se acostumar com menos horas de sono ou se deitar mais cedo?
Cuidado para não confundir pagar o preço das coisas com fazer concessões ou ser venal. Se a permanência no emprego depende de uma saída com o chefe, isto já é prostituição; se fazer campanha pública ou votar em certo candidato desonesto for requisito para a melhoria profissional, bem, isto é também prostituição.
Pagar um preço talvez seja estudar à noite, depois de um dia exaustivo de trabalho, para subir na carreira; dividir um apartamento com outras pessoas e perder a privacidade, para poder morar mais perto da lugares interessantes; ou, ao contrário, morar em um bairro mais afastado, para ter dinheiro para arcar com às despesas...
Nos campos profissional e amoroso é fácil verificar se você está disposto ou não a pagar o preço. Pense nisto antes de ser despedido ou do relacionamento acabar. Muitos que se surpreendem com a demissão ou com a separação são aqueles que não enxergaram o preço a ser pago ou não quiseram fazê-lo.
Mas, caso você seja um príncipe ou princesa, esqueça o texto acima e volte logo para seu castelo, longe do mundo real.


Katia Sarkis

quarta-feira, 4 de março de 2009

MIMETISMO 2


CRÔNICA 20


Quando fiz estágio em uma agência de publicidade há alguns anos, conheci um caso grave de mimetismo, porque, convenhamos, isto é uma doença e, muitas vezes, grave mesmo, pois afeta de tal modo a vida de certas pessoas que elas morrem sem ter vivido a própria vida. Era uma colega que foi parar ali por pistolão de um tio, pois precisava de emprego e se achava boa redatora. Na ocasião, estudava Letras e mais tarde acabou de fato professora.
Éramos todos jovens e trabalhávamos em uma equipe de criação dirigida por dois profissionais com experiência, responsáveis pelo produto final apresentado aos clientes. Não sei se sabem, mas numa agência as reuniões são diárias e há as chamadas brain storm, ou seja, as tempestades cerebrais, reuniões em que os participantes dizem tudo que vier à cabeça, sem censura, para depois discutirem estas ideias em estado bruto. Ora, como uma maria vai comas outras pode agir sem censura?
Depois de uma semana de trabalho, o diretor de arte percebeu que esta colega jamais apresentava uma idéia original, apenas repetia o que algum havia dito. Então, de maldade ou de bondade não sei, passou a iniciar as reuniões pedindo primeiramente a opinião dela sobre qualquer assunto. Ela gaguejava, dizia que cedia a vez e até reclamava de ser ela a iniciar reunião, como se fosse uma aluna da 3ª série do ensino fundamental. Não agia como a profissional que agora era, ou, pelo menos a estagiária. É claro que no final de três meses foi dispensada, à revelia do bom pistolão que possuía.
Por mais que o diretor tentasse, jamais conseguiu que ela desse a primeira opinião em uma reunião, pois ela simplesmente não conseguia, falava qualquer coisa, mudava de assunto, até que ele se cansava e, preocupado com o horário, passava a discussão com os outros, ignorando-a.
O curioso é que nas conversas fora do trabalho ela fazia questão de dizer que era ótima professora de redação, que era muito criativa, que escrevia muito bem e que, por ter todas estas qualidades, tentava um lugar na publicidade, em busca de uma remuneração certamente maior do que no magistério.
Não sei o que foi feito dela. Creio que provavelmente deve dar aulas repetidas em alguma escola, em que deve ter entrado por pistolão também, e nem desconfia que sofre de mimetismo. Doenças que, como todas as outras, tem tratamento, mas nem sempre cura.

Katia Sarkis

terça-feira, 3 de março de 2009

MIMETISMO


CRÔNICA 19



Talvez alguns estranhem a palavra e não saibam seu significado, mas ela vai aqui de propósito. Lembrem-se de mímica e de imitação e vejam como todos sabem o que é mimetismo. Ou, para usar uma expressão coloquial, diria que se trata da síndrome da maria vai com as outras.
Fazendo um parênteses: não devemos ter medo de palavras novas, não devemos nos acomodar na fácil ignorância. Como este assunto merece sozinho uma crônica, volto ao mimetismo, característica das pessoas que imitam as outras, sem nenhum tipo de questionamento. Só fazem o que já foi feito, o que tem o aval dos outros. Ou seja, são cópias, papel carbono das outras vidas.
Muitos vão achar que maria vai com as outras é só aquela vizinha do 407 ou a prima que mora em Botafogo ou o colega da repartição, e não querer identificar em si mesmo alguma característica deste personagem, ainda mais que o nome é depreciativo.
Agora pense quantas vezes você tomou uma decisão porque achava que a sua família esperava que você fizesse exatamente aquilo; ou teve uma conduta, porque seu pai faria da mesma forma; ou usou uma roupa para ser aceito pelo grupo social; ou comprou um produto porque todos estavam comprando um igual. Veja que desde coisas simples a outras mais sérias, mais profundas em sua vida, você talvez esteja agindo só por “mimetismo”. Você está imitando os outros e, pior, nem percebe, afinal existem justificativas excelentes para a sua imitação existencial: a tradição, a normalidade, o bom senso, a família, a sociedade, o grupo social.
O mimetismo mata a individualidade e faz com que as pessoas se pareçam e se reproduzam de modo medíocre. A palavra medíocre já esclarece tudo: é a média, no mau sentido do termo. Pense bem: você quer ser medíocre? Não, não é mesmo? Então por que perguntar a sua irmã o que ela acha de seu vestido antes de usá-lo? Ou querer a opinião de sua colega sobre seu novo namorado? Ou, o que é mais sério, por que votar num candidato que vai manter as coisas como estão? Se você é um macaco de imitação, que tal sair dessa jaula e vir para o lado de fora, o lado dos homens, com todas a suas diferenças?


Katia Sarkis

segunda-feira, 2 de março de 2009


CRÔNICA 18


SE É DE GRAÇA, NÃO É BOM


Lembro-me de quando dei aulas de teatro em uma escola pública. Na verdade, eram vários cursos oferecidos gratuitamente para os alunos e moradores do bairro. Além das de teatro, havia aulas de dança, jazz, desenho, pintura e música, ministradas por profissionais com experiência e dadas com entusiasmo. Ao final de um semestre, o projeto da escola acabou, porque a direção verificou que o número de faltas era elevado, demonstrando pouco interesse por parte de seus alunos.
Lamentamos o término dos cursos, mas compreendemos as razões. Alunos de uma classe baixa que não podiam pagar academias de ginástica e dança nem cursos de arte perdiam aquela oportunidade. A conclusão foi fácil: como não pagavam não se importavam com a frequência e não levavam as aulas a sério.
Eles que acham normalmente que o colégio é fraco por ser público não souberam diferençar estas aulas extras das atividades curriculares. E por terem uma autoestima baixa não se sentiram merecedores de cursos bons e gratuitos, desperdiçando a chance única de estudarem artes.
Infelizmente esta atitude não é só de adolescentes. Numa sociedade capitalista, os adultos agem da mesma forma: só valorizam o que é pago, o que implica despesa. E não entendem como algo pode ser oferecido por um preço pequeno ou mesmo de graça. É claro que nada é de graça, só que o custo destas aulas era pago pelo governo estadual.
Recentemente um amigo que é pintor, mas não profissionalmente, recebeu alguns colegas do trabalho em casa. E na ocasião mostrou alguns quadros, que receberam de imediato elogios surpresos e sinceros. Quando um dos colegas, bastante entusiasmado, quis adquirir uma de suas obras, ele, hesitante, respondeu que a venderia por cem reais. Na mesma hora o colega perdeu o interesse e a devolveu, meio sem graça.
Mais tarde este meu amigo compreendeu o fato. Um quadro tão barato não poderia ser bom e não mereceria os cem reais gastos. Fiquei pensando sobre os critérios que usamos para dar valor às coisas e também - por que não? - às pessoas. Você sabe quais são os seus critérios?


Katia Sarkis