contador de visitas

sexta-feira, 27 de março de 2009

O PREÇO DA RESPONSABILIDADE



CRÔNICA 42


Achei que valia a pena me ocupar mais da história da última crônica. A mulher que não viajava porque não gostava de pagar as passagens e as diárias dos hotéis me lembra temas já vistos por nós. Entendamos melhor: a mulher pertence à classe média, profissional assalariada, moradora em um bom apartamento de um bairro valorizado na zona sul da cidade, com dinheiro suficiente (fruto de seu trabalho, é bom que se diga) para suas despesas, incluindo viagens no país e no exterior. No entanto, ela se mantém em casa por anos porque, segundo seus pensamentos, ela não poderia usar seu dinheiro com tais gastos.
Um psicanalista talvez visse na sua avareza uma avareza maior, a avareza vital. Ou, mais simbolicamente, visse em sua mão fechada o movimento de retenção, isto é, de não movimento. Ora, não se trata de uma pessoa desocupada ou vadia, mas de uma trabalhadora, cuja renda mensal lhe permite uma vida razoável, bem acima da significativa maioria do país. Entretanto, ela se nega a pagar as suas contas, como se o dinheiro que saísse significasse algum tipo de perda.
Uma vez que não sou psicanalista, como vocês sabem, a minha leitura é outra. Acredito até que a mulher não visse avareza na sua avareza e até se surpreendesse, quando em uma sessão de análise, ouvisse esta palavra. Nem diria que estamos diante de uma pessoa irresponsável, visto que trabalha diariamente e arca com as contas de sua casa. Diria que é irresponsável, sim, mas em sentido mais restrito, ou seja, é parcialmente irresponsável.
Sei que parece estranho, mas vamos lá. Se, quando está sozinha, paga as contas, o que a bloqueia, quando está acompanhada? Será que seria responsável por sua casa, mas não responsável pela relação? Parece provável.
Pagar as próprias contas (não as do casal) num hotel significaria assumir a sua parte na relação, e isto a assustava. Então ela escolheu não ter mais o prazer de viajar e até perder o prazer do companheiro, mantendo, assim, o dinheiro no cofre do banco, com o acúmulo de juros e correção, para, quem sabe um dia, ser feliz.


Katia Sarkis


Nenhum comentário:

Postar um comentário