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sexta-feira, 24 de abril de 2009

QUE TAL AGORA O VERBO PERSEVERAR?



CRÔNICA 50

QUE TAL AGORA O VERBO PERSEVERAR?


Não, não se trata de aula para enriquecer o vocabulário, mas o verbo é este mesmo: perseverar. É menos usado do que o da crônica anterior, o iniciar, por uma razão simples: é mais difícil ainda. Significa continuar, não desistir, ir sempre em frente, não importa o que aconteça. Se recordamos alguns exemplos cotidianos citados no outro texto, veremos que iniciar a dieta é importante, mas não basta, se três dias depois formos a um aniversário e a interrompermos; iniciar a arrumação dos papéis no escritório é bastante proveitoso, desde de que no terceiro dia de trabalho não abandonemos pilhas no canto da sala. E por aí vai. Dar continuidade a uma tarefa até completá-la é fundamental, pois em certos casos não terminar um serviço ou não fazê-lo é a mesma coisa. Pense em dois túneis de mil metros: um sequer foi iniciado e outro foi feito até o nongentésimo, nonagésimo, nono metro. Na prática, não há diferença entre eles, pois nenhum nos levou ao outro lado.
Em reformas é muito comum operários que vão embora sem terminar o que foi programado, obrigando o dono do imóvel a contratar outra equipe. Talvez os engenheiros saibam responder por que isto acontece, talvez não. O fato é que há situações em que a tônica é o abandono, a interrupção do serviço. No caso de obras, os operários não se sentem responsáveis por ela e, portanto, nem pensam o que abandoná-la significa. Este não é o nosso caso. Nós somos responsáveis por tudo em nossas vidas, pelo que escolhermos fazer, pelo que fazemos e pelo que abandonamos.
Há a síndrome da não realização, do abandono. Muitas pessoas têm o hábito de iniciar coisas e não terminá-las. Quantas pessoas você não conhece que já se matricularam dezenas de vezes em um curso de Inglês e não concluíram nenhum. Há sempre uma boa (boa?) razão para mudar de curso ou não se matricular no módulo seguinte. Mas um dia, como eles costumam dizer, eles terminam.
São pessoas que exercitam com frequência a frustração. E talvez nem percebam em suas cegueiras que os outros, quando descobrem esta característica, se afastam em certas ocasiões. Você faria alguma parceria ou sociedade com alguém que tem fama de abandonar as coisas? Se você for sensato, é claro que não.
Perseverar é o verbo do dia a dia, um verbo vital, que nos exige algo muito difícil que é a disciplina. Sem autodeterminação, não somos o que somos, somos o que o acaso nos leva a ser. Não temos lugar de chegada, apenas chegamos a um lugar qualquer.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

UMA NOVA CEGUEIRA


CRÔNICA 49


Fui ao correio enviar alguma correspondência, e observei um casal entrar e apanhar a senha. Quando o letreiro anunciou o próximo número,eles se dirigiram à funcionária, que, olhando-os, perguntou por que eles tinham atendimento preferencial. O homem disse que não tinha e ainda levou alguns minutos para entender que ele havia apanhado a senha para atendimento preferencial, isto é, para deficientes, grávidas e idosos, e não a de atendimento normal, que era o caso dele. Esclarecido o fato, o casal foi pegar outra senha e ir para o final da fila.
Por coincidência fui atendida mais tarde pela mesma funcionária. Então lhe perguntei se casos semelhantes ocorriam com frequência, se as pessoas pegavam o tipo errado de senha, por distração e não por má fé. Ela disse que sim, que isto acontecia muitas vezes todo dia, embora o cliente que não esteja indo pela primeira vez a uma agência de correio saiba do uso das senhas e de sua diferença. Mesmo que fosse pela primeira vez, acrescento eu, está claramente escrito que é preciso apanhar uma senha e qual é o tipo de senha para cada pessoa. Em não se tratando de analfabeto, não há por que não agir de acordo com as instruções.
O fato em si não é grave nem traz maiores consequências. Só serve para ilustrar uma conduta que tem me chamado muito a atenção: muitas pessoas se negam a ler as mensagens escritas na vida diária. Ora, como estabelecer a comunicação com os outros, se não usarmos a palavra escrita? Como o usuário vai saber qual a plataforma dos ônibus para São Paulo, se não houver uma placa óbvia com o nome da cidade?
O que faz um homem que não está grávido, não é deficiente, nem idosos apanhar a senha indicada para estes três casos. A resposta distração é muito fácil e não me satisfaz. Acho que, mais do que distraído, ele não “vê”, ele não quer “ver” o que está escrito, como se a palavra não lhe dissesse respeito. Receio que haja uma doença da não leitura, uma fobia da palavra. Não digo que o brasileiro não gosta de ler livros, o que já é uma verdade conhecida. Digo mais, que ele não gosta de ler palavras, estejam onde estiverem, inclusive nas ruas de sua cidade.
Será que toda agência teria que dispor de um funcionário para abrir a porta e colocar na mãozinha de cada usuário a senha adequada, por ele ser incapaz de perceber um texto escrito e de lê-lo? Além da famosa falta de hábito de leitura de textos literários, há uma falta de hábito da leitura de mensagens que só faltam saltar a nossa frente. No metrô, em todas as saídas várias pessoas saem por onde há escrito em letras garrafais ENTRADA. Todos os dias quando passo, paro para observar o mesmo fenômeno social. Como não acho que seja o caso de distração apenas ou de pura falta de educação, poderia chamá-los metaforicamente de cegos ou analfabetos. Mas também não acho que seja o termo apropriado.
Na verdade ainda não sei como denominar esta não leitura, já que não penso que seja só falta de atenção coletiva. De qualquer forma, o fato me parece sério, porque imagino que, em outras situações bem mais importantes da vida, estas pessoas também se neguem a receber a comunicação dos outros. As relações assim correm o risco de se parecerem com o antigo quadro humorístico de duas velhinhas surdas, que sempre respondem a perguntas que não forem feitas.


Katia Sarkis

quarta-feira, 15 de abril de 2009

NÃO SE AUSENTE!


CRÔNICA 48


Tinha uma reunião marcada para às dez horas de ontem com quatro amigos. Para facilitar, seria num café que fica no andar térreo do local onde dois deles trabalham. A reunião era para discutir a proposta de um trabalho em conjunto, fora das atividades normais de cada um dos cinco. A princípio todos aceitaram entusiasmados e acordamos de levar já por escrito algumas idéias e projetos. Seria a primeira reunião informal e receberíamos um organograma feito por Cláudio, que tem a fama de ser o mais organizado de nós.
Às dez e meia, iniciamos a reunião, eu e Paula, já que Cláudio não pôde descer de sua sala; Marta telefonou avisando que só poderia ir às 13 horas; e Diogo simplesmente não apareceu. Depois dos 15 minutos de tolerância, típicos só de nossa cultura, iniciamos a pauta, feita na hora, já que o organograma cuidadoso de Cláudio não conseguiu descer sete andares para se sentar à mesa conosco.
A primeira proposta aceita por unanimidade foi o de não chamarmos mais Diogo para a nossa “sociedade” e imediatamente telefonamos para outro amigo de profissão e deixamos recado em sua secretaria eletrônica para que entrasse em contato o mais cedo possível para discutirmos um trabalho em parceria. Para Cláudio e Marta, oferecemos outra oportunidade. O não comparecimento, sob qualquer motivo, implicaria o desejo de não participar do grupo. Como terceiro tema da pauta, discutimos a possibilidade de fazermos o serviço em dupla, desde que certas adaptações fossem feitas.
Do modo como falo, pode parecer que agimos com rigor, mas não é verdade. Somos amigos há pelo menos 12 anos e já nos conhecemos o bastante para avaliar se a parceria vale a pena ou não. Quando o possível parceiro falta à primeira reunião, ele já respondeu que não vale.
Saí do café lamentando o “desencontro” e pensando principalmente em Diogo, que na véspera me ligara confirmando a sua presença e dizendo da satisfação desta oportunidade de um trabalho em conjunto. A retrospectiva da conduta de Diogo lhe é amplamente desfavorável. Em sua repartição há muito tempo não é mais respeitado e só não é despedido porque é funcionário público. Mas a amizade faz com que nos lembremos dele para festas e até para convidá-lo para serviços avulsos, embora saibamos de sua irresponsabilidade. Só que agora trata-se de um proposta de trabalho séria demais, para corrermos o risco de por tudo a perder por causa de alguém que não cumpre horários nem compromissos.
O curioso é que Diogo é quem mais reclama de falta de dinheiro, de necessidade de free lancer, e, quando surge uma ocasião, ele simplesmente não vai. Certamente ele não sabe que sempre que seu nome é mencionado, há alguém para se lembrar de sua irresponsabilidade, de suas faltas, de seus atrasos, de suas omissões. Vai morrer sem saber por que está cada dia mais só, mais abandonado pelos a- migos. Talvez julgue que o “destino” lhe é adverso, como se não fosse ele quem fizesse tal destino.
Quando a pessoa não comparece à própria vida, o mundo ao redor também se ausenta.

domingo, 12 de abril de 2009

A VIDA É HOJE!


CRÔNICA 47

Lembrei-me da frase de John Lennon, muitas vezes citada, de que “vida é o que acontece, enquanto fazemos planos para o futuro”. Primeiro, não quero dizer com isto que não devamos pensar no futuro ou que não devamos fazer planos. Ao contrário, se não nos dedicarmos agora a construir o dia seguinte, aquilo que no momento chamamos de futuro jamais chegará. Em um exemplo simples, se não economizarmos durante dois anos para adquirimos a máquina de que necessitamos em nosso serviço e que nos ajudará a ganhar mais dinheiro, não a teremos daqui a dois anos, ou seja, neste tempo futuro visto de hoje.
Pessoas de menos instrução têm, regra geral, mais dificuldade de visualizar o futuro e de administrar o presente para que amanhã não tenham certas dificuldades. Outro exemplo simples, muitos operários recebem o salário semanal e não mensalmente, como a maioria, pelo simples fato de que não sabem lidar com o dinheiro. Como gastam tudo na mesma semana, se recebessem o salário de uma vez só, passariam três semanas por mês com problemas financeiros. Esta forma de pagamento, principalmente com operários de obra, mostra bem a má relação entre tempo e dinheiro.
Voltemos ao tema. A vida não pode estar num ponto futuro, na dependência do que não existe hoje. Temos que viver o presente e, ao mesmo tempo, fazer o futuro. Não há jogo de palavras aqui. O presente não pode se negar em nome de uma vida que só vai acontecer daqui a tanto tempo, isto é, se outras coisas acontecerem também. Supomos que eu só seja feliz, se estiver formado em Direito, logo durante os cinco anos do curso, eu estarei em estado de infelicidade, não-felicidade ou de pré-felicidade, pois ainda não sou advogado.
É fácil ao lermos este hipotético caso, acharmos um absurdo colocar a felicidade (ou outro nome que queira usar) como dependente de um diploma de Direito ou do exercício de sua profissão. Podemos admitir que eu me sinta melhor depois de formado, e melhor ainda, se realizado na profissão escolhida. Isto é normal. Só não podemos suspender o tempo e não “vivermos” durante cinco anos, ou, caso não consigamos passar no vestibular ou se, mais tarde, não consigamos concluir o curso, nossa vida estará definitivamente perdida?
E nós, no dia a dia, estamos adiando a nossa vida em nome de algo, supostamente melhor, no futuro? Será que não estamos nos descuidando do presente porque ainda não temos ou não somos alguma coisa. A vida não pode esperar. Até porque não sabemos até quando ela vai. Quanto menos fingirmos que não sabemos que ela é passageira, nós a viveremos melhor, com o que tivermos e formos no momento.
Que tal não nos adiarmos mais? Que tal sermos o que queremos agora? Não podemos pedir aos outros que nos esperem, nem ao tempo que nos aguarde lá fora. Abra já a sua porta para o presente.

Katia Sarkis

terça-feira, 7 de abril de 2009

OUTRA VEZ E AINDA SEPARAÇÃO

CRÔNICA 46


Normalmente uma separação não ocorre da noite para o dia. Os casais se separam aos poucos e às vezes levam até anos se separando. Ou seja, não é fácil. É a primeira causa de depressão, superando mesmo a viuvez. Logo devemos ser tolerantes com aqueles que se encontram em pleno processo de separação. Por exemplo, usar a expressão adolescente “a fila andou” é de extremo mau gosto. E certamente o que foi deixado não vai gostar de ouvir que o seu relacionamento é objeto de tal comparação.
Mesmo quando a pessoa sai de casa “para comprar cigarros e não volta nunca mais”, provavelmente houve indícios de que ela iria embora, ainda que não desta forma abrupta. Acontece que muitas vezes um dos dois, ou até os dois, não quer reconhecer que o relacionamento está se modificando, isto é, acabando, e finge que as coisas vão bem.
Lembro-me da velha história da mulher que sempre servia o peito do frango para o marido, achado que era o seu pedaço favorito, e ele aceitava, porque achava que sua mulher preferia a coxinha. Os dois pensavam que estavam se sacrificando para agradar o outro, quando na verdade estavam de fato abrindo mão da parte predileta do frango e, ao mesmo tempo, passando a imagem de egoístas. Isto é um claro exemplo de falta de diálogo, porque os dois “supunham” mas não conheciam as preferências de quem está a seu lado há anos.
Achamos que fazemos algo para a felicidade do outro e nunca perguntamos se era isto ou aquilo que o outro queria. Mas como ele não vai gostar do bife de fígado que preparei com tanto carinho? Só que muita gente não gosta de bife de fígado, feito com ou sem carinho. Bifes e metáforas à parte, temos que perguntar sempre o que o outro quer, o que ele deseja, e não impor o nosso gosto ou uma preferência do senso comum. Ora, todo carioca gosta de praia, como ela não vai querer dar um mergulho no Recreio?
Outra coisa usada erradamente é a estatística: se a os casais têm em média três relações por semana, se temos três ou quatro estamos dentro da média; se os casais saem para lazer só nos fins de semana, por que teríamos que ir ao teatro numa quinta-feira? Ora, a vida não cabe em estatísticas nem em médias aritméticas. Imagine ter que assistir aos programas televisivos que abomino para poder estar na média ou ter que ouvir certo tipo de música só para estar de acordo com as estatísticas?
Isto só para falar de coisas pequenas. Imagine termos que mudar a nossa conduta, os nossos desejos, porque a maioria pensa ou age assim? Logo é melhor conversar com o nosso companheiro e saber de
que ele gosta e não se espantar ou censurar se for algo bem diferente do que esperávamos. O outro não é obrigado a ser o nosso espelho.
Katia Sarkis



sábado, 4 de abril de 2009

NADA É GRÁTIS!


CRÔNICA 45


Há muito tempo eu percebi quase ninguém pergunta de onde vem o dinheiro para pagar qualquer coisa. A despesa sendo paga, estão todos felizes. E isto não quer dizer que a maioria das pessoas seja interesseira ou desonesta. Passo este tipo de análise aos terapeutas. A minha leitura é de outra ordem. Parece-me que a sociedade sofre de um “complexo de filho”, isto é, espera que o Grande Pai resolva todas as coisas, inclusive que pague as contas. Desdobrando ainda, diria que o mal é da falta de responsabilidade. Quem não é responsável não se preocupa em pagar nada, portanto a ele não interessa saber de onde vem o dinheiro.
Você já reparou que as pessoas aceitam dinheiro ou presente que estariam além da capacidade financeira do “anjo-da-guarda” sem se questionar como eles foram obtidos? Ficam satisfeitas e agradecidas e basta. Não digo que elas devessem se dirigir para o doador é indagar como ele, tendo um salário x, pode dar um presente tão caro. Mas que perguntassem a elas mesmas. A experiência, contrariando à lógica, me provou que a maioria não quer saber se é viável ou não alguém que, por exemplo, ganhe 3 mil reais tenha um carro de 100 mil. Se for o pai o autor de tal mágica, o filho se sentirá amada pelo “esforço” do pai por esta compra inverossímil e ainda esperará o tanque cheiro toda semana.
A sogra chama de inteligente, capaz ou bem-sucedido o genro que leva uma vida bastante acima de seu salário e de pobre coitado o outro que vive fielmente de acordo com os números de seu contracheque. Jamais passará pela cabeça desta senhora que seu genro tem uma atividade ilegal e lucrativa, além do seu emprego formal. E talvez não tenha mesmo. Mas esta não é a nossa questão aqui.
Coloco na mesa da discussão o fato de quase ninguém querer saber como as contas são pagas nem de querer pagá-las. Quando o assunto é dinheiro, há uma tendência a se esperar que o outro faça mais por nós do que nós estamos dispostos a fazer pelo outro. Isto acontece porque somos eternamente filhos imaturos e irresponsáveis?

KATIA SARKIS