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sábado, 28 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 17

A CULPA É SEMPRE DOS OUTROS!


Ouvi no sinal outro dia um diálogo entre vendedores de bandeiras esportivas, perto de um estádio. Um reclamava com o outro que tinha vendido muito pouco na véspera, quando houve um jogo entre dois times grandes, sendo um aqui da cidade. Dizia que a torcida deste time era de fato muito “muquirana” e que raramente comprava bandeiras. E que assim não dava para trabalhar direito.
Pensemos nesta conversa como uma parábola. Primeiro vamos reconhecer que, apesar da fala ser de um vendedor humilde, certamente com pouca instrução e sem habilidade para exercer outra profissão, ela poderia ser dita por um executivo, com ligeiras adaptações. Ele reclamaria dos clientes que não compram seus produtos ou mesmo de outros países que não aumentam as importações.
Você está me acompanhando? Seja lá a profissão que for e a sua provável remuneração, muitas vezes atribuímos ao outro, ou seja, às “torcidas muquiranas”, a nossa falta de sucesso, digamos assim. Será mesmo que a torcida C, ao contrário das torcidas A e B, não compra de propósito as bandeiras vendidas à porta dos estádios? Não sou especialista em futebol, mas acredito que não.
Ora, é mais fácil fazer como o vendedor irritado: culpar a torcida - obviamente não era a de seu time – por seus problemas financeiros. Será que ele não pensa que aquele torcedor não lhe comprou a bandeira, porque ontem também ninguém lhe comprou os produtos que vende ou não lhe pagou pelos serviços que oferece? Ou, ainda: será que ele não pensou que ele também ontem não comprou nada de ninguém, não movimentando, assim, a roda do dinheiro?
É claro que ele não pensou em nada disto. Mas, como tomamos estas reclamações como parábola, podemos nos perguntar, e não a ele, se muitas vezes não responsabilizamos os outros por nossas dificuldades financeiras e por nossos insucessos profissionais?
Por que não repensar sobre as nossas atividades? Será que nossos produtos e serviços têm mercado? Será que não temos que fazer mudanças? Quais?
Quando? O mais cedo que nós, e não os outros, pudermos.


Katia Sarkis

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

CRÔNICA 16

CUIDADO COM AS FANTASIAS

Com frequência idealizamos as coisas na vida e, como elas não são de acordo com a nossa idealização, nada fazemos. Frustrados, deixamos o tempo passar. De vez em quando, paramos para nos lamentar da vida não ser o que queríamos, sem perguntar se nós somos o que a vida esperava que fôssemos. Criticamos os outros, por não terem as qualidades ou características que gostaríamos que tivessem, pois elas nos seriam mais convenientes, sem fazer a auto-análise para verificarmos se nós temos estas qualidades, ou aquelas que são as preferidas dos outros.
Se somos bons cozinheiros, achamos que este é um atributo fundamental do homem e esperamos que todo mundo goste de usar a cozinha e fazer pratos deliciosos. Julgamos os outros por sua habilidade culinária e falamos sobre o tema quase que diariamente. Ora, nem todos gostam de cozinha e não têm tempo para se dedicar a ela. O trabalho e o corre-corre do dia a dia nas grandes cidades não deixam tempo para que durante a semana alguém faça o seu próprio almoço. Se pensar bem, não me lembro de ninguém que o faça, pois todos os meus amigos e conhecidos trabalham.
Neste caso, estaríamos usando a exceção – alguém que não trabalha e, portanto, tem disponibilidade para a cozinha – como parâmetro para avaliar os outros.
Retornemos às idealizações e vejamos outros exemplos. O primeiro relacionamento amoroso duradouro é normalmente mais idealizado do que os outros, pois temos mais expectativas e menos experiência. Fantasiamos que não teremos os problemas que vimos em outros casais, que seremos eternamente apaixonados e que viveremos “felizes” para sempre, como nos antigos filmes de Hollywood. Na realidade aprendemos que as coisas não são assim. Muitas pessoas, após a primeira separação passam a vida de relação em relação em busca do par ideal, numa espécie de jogo lotérico, ou se fecham e não se relacionam mais, magoados com o destino que a escolheu como a “única vítima” da desilusão amorosa.
Com o tempo, percebemos que é inútil ir de relação em relação, pois esta provavelmente é a melhor maneira de não encontrarmos o par “perfeito e definitivo”. Aliás, como esperar o definitivo, se nós mesmos optamos pelo transitório? Teremos sempre em mente que deve existir alguém mais adequado para nós e terminamos, consciente ou inconscientemente, o relacionamento. Dificilmente em algum momento pensamos se nós somos o mais adequado ou o mais satisfatório para os outros. Cegos, não temos dúvidas de que o somos.
Os outros, que se fecharam em copas, veem o tempo ir embora e não se relacionam mais, abdicam de sua afetividade e sexualidade e vão cuidar de negócios, filhos e netos, ou seja, têm razões nobres para não viverem, pois quem ousaria falar mal do trabalho ou da família? Será que se deixarmos de lado as idealizações e nos olharmos com olhos mais realistas, não poderemos ter mais satisfação na vida? A satisfação afetiva e sexual que toda relação deve nos oferecer, sem as expectativas e cobranças que existem na relação-modelo.
Como não conseguimos 100% de uma relação, não aceitamos 80%. Só que, com a idade, percebemos que nenhuma relação será mais 100%, nem mesmo os 80% inicialmente rejeitados. Então nos vemos diante de 50% ou 40% e aceitamos, porque agora sabemos que amanhã serão talvez só 20%. É claro que estou usando estes números didaticamente, pois não podemos medir uma relação em porcentagem. O que quero dizer é que, com a velhice e suas alterações físicas e psicológicas e com a fragmentação de nossas vidas, especialmente nas metrópoles, a idéia de relação matricial cada vez fica mais difícil. E ao percebemos, para alguns tardiamente, que o corpo que temos é este, a vida que temos é esta, o relacionamento que temos é este. Em outras palavras mais simples, é pegar ou largar.
Cuidado para aos 40 não nos arrependermos do que não fizemos aos 30 e aos 50 não nos arrependermos do que não fizemos aos 40. Depois de mortos, uma coisa é certa: não teremos mais tempo nem oportunidade.

Katia Sarkis

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 15

A PASSIVIDADE DE TODO DIA


É impressionante como somos passivos! Esta frase dita de início incomoda,desagrada. Se você for homem, e com homofobia, vai s indignar mais ainda, pois passivo é um tipo de homossexual,e você é ativo. Como agora, não vamos discutir que os homossexuais são ativos e passivos ao mesmo tempo, voltemos à frase. É impressionante como somos passivos. E o pior é que não vemos e, em não vendo, não admitimos.
Escolha uma situação, pense sobre ela, e logo, logo você encontrará uma atitude passiva. Partamos do exemplo já clássico, a televisão. Sentados confortavelmente nas poltronas, com o aparelho de controle na mão, nada controlamos. Somos, sim, controlados o tempo todo pelas ideias alheias, pelas imagens alheias e, na maioria da vezes, apenas fazemos passar o tempo, como se a vida fosse um fardo que precisasse ser amenizado com horas passivas diante de um televisor.
Dirão para você que há 150 canais à sua escolha, no horário que você escolher, com a sua programação favorita, com os seus atores prediletos etc etc Acontece que de fato você não escolheu nada: apenas pagou o aparelho e paga a assinatura da tv a cabo e a conta de luz. O seu verbo é pagar, e não escolher.
Você está calado há horas, não pensa, não emite uma opinião, não dialoga, você somente assiste a programas que, dependendo da carga ideológica (os filmes e seriados americanos e as novelas brasileiras são os piores), vai operando uma lavagem cerebral, uma verdadeira lobotomia. E os espectadores, idiotizados, vão defender com unhas e dentes as horas desperdiçadas diariamente de forma passiva diante de uma televisão.
Saindo um pouco do exemplo, pergunte-se se suas ideias são suas ou de seu pai ou de sua família ou de seu mestre ou de seu patrão ou de seu guru religioso ou de seu prefeito ou de seu cônjuge ou do anúncio. Sim, você talvez seja, em algum grau, um João vai com os outros ou uma Maria vai com as outras e não sabe. E, é claro, fica irritado de ser chamado assim. Calma, não é minha intenção ofender ninguém. Só proponho que pensemos sobre a passividade que existe em nós e que às vezes é tão grande, que temos preguiça de reconhecê-la e ter que fazer alguma coisa para mudá-la.
Relembre o seu dia hoje com caneta e papel na mão. Examine se não houve alguma situação em que você não agiu, portando-se de modo passivo e aceitando goela adentro o que o mundo impôs. Que tal agir amanhã? Mesmo que seja um pequeno gesto, em uma circunstância despretensiosa, será um excelente exercício. Boa sorte!

Katia Sarkis

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 14

O QUE LHE DESAGRADA EM VOCÊ É INSUPORTÁVEL NO OUTRO

Você já reparou naquele amigo que tem a mania de dizer que todo mundo é gay ou naquele que chama os outros de mão de vaca? Um tem problemas de sexualidade e o outro, de avareza. Muitas pessoas agem de forma primária e revelam aquilo que mais gostariam de esconder. Como têm medo de que os outros achem (ou descubram) sua tendência homossexual ou sua dificuldade de lidar com dinheiro, acusam os outros de terem estas características.
Há os que vão mais longe e evitam o contato com os que supostamente têm os seus “defeitos. Às vezes até brigam em público com estas pessoas ou rompem o relacionamento. Desta forma, todos verão que ela, que trai o marido, não se dá com mulheres adúlteras; ou que ele,usuário de drogas, não frequenta ambientes em que vão viciados. Normalmente isto ocorre sem terem um planejamento de conduta anterior, sem uma estratégia. Não é, portanto, um gesto racional.
É o inconsciente que domina. O delator contumaz não gosta de ouvir a palavra delação em sua roda; o perdulário se aborrece, quando o assunto da conversa passa a ser dinheiro; ao marido que bate na mulher desagrada as cenas de crise conjugal que passam na televisão. Ninguém admite que é o que é, que faz o que faz, se este ser e este fazer são mal vistos pelo código social.
Em casos mais sérios da “doença”, a inversão se dá por completo, isto é, o sujeito que pediu dinheiro emprestado ao vizinho da casa 4 espalha por toda a vila que o outro lhe deve uma boa quantia há não sei quantos meses ou anos. É claro que alguns sempre acreditam no mentiroso, especialmente se não gostarem daquele vizinho por outra razão.
Faça a experiência e seja fiador. No dia que o inquilino parar de pagar o aluguel e o proprietário procurá-lo com a dívida, esteja certo de que o seu amigo por quem você se responsabilizou falará mal de você.
Preste atenção naqueles que apontam defeitos nos outros com frequência. Será que não são eles que andam cometendo falhas e, inconscientemente, acusam os outros como forma de defesa antecipada? Na vida geralmente as mentiras mais destrutivas são ditas e feitas por aqueles que
“jamais” mentem.


Katia Sarkis

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 13



COISAS DE ESPELHO


Na clássica história infantil da Branca de Neve, a madrasta pergunta sempre ao espelho se há mulher mais bonita do que ela e ele é obrigado a responder que não. Já na vida real e adulta, não temos um espelho a nosso favor e o objeto que é símbolo de vaidade passa a ser ameaça. O espelho já não diz o que queremos ouvir, mas, sim, o que a imagem mostra. E esta imagem muitas vezes nos é desagradável. Logo passamos a evitar o espelho. Em outras palavras, a nos evitar.
Muitas artistas só se deixam fotografar de um lado, porque sabem que são mais fotogênicos, se vistos da esquerda ou da direita. Pensemos neste fato como uma metáfora. Será que só mostramos o nosso lado esquerdo, porque sabemos que ele é mais simpático? Ou será que fazemos em público as coisas que achamos que fazemos bem para que a nossa imagem – parcial, é claro – seja apreciada pelos outros?
Assim como a pessoa acima do peso evita a balança para não ver confirmado em números o que, obviamente, já sabe, nós evitamos os vários espelhos que surgem diariamente a nossa frente. Nós disfarçamos cinicamente como se não estivéssemos nos vendo. Sabe quando você não quer cumprimentar um conhecido e finge que não o viu ou até troca de calçada, para não ter que ser forçado a reconhecer que o viu e falar com ele? É a mesma coisa. Nós às vezes somos o desconhecido aborrecido de que tentamos fugir na rua.
Há ainda uma imagem pior, a do credor. Basta ouvir a palavra credor, para sentirmos uma sensação desagradável, mesmo que não tenhamos dívidas. É uma associação que habita o nosso subconsciente. Agora, caso estejamos de fato devendo, é o desespero. Não atendemos o telefone, pedimos para dizerem que não estamos etc. Fazemos tudo para escapar do constrangimento de sermos cobrados e de admitirmos que estamos errados, isto é, que não temos como pagar.
O que é um espelho se não um cobrador que bate à nossa porta e nos olha de frente, sem direito à fuga? E, aí, como responder a si mesmo, visto que um espelho não aceita mentiras?


Katia Sarkis

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 12


ALGO SOBRE A FELICIDADE


Li ontem uma entrevista sobre relacionamento amoroso, da qual retiro a resposta para a pergunta sobre a difícil felicidade na vida a dois. Disse o professor entrevistado que a questão não era o grande número de casais infelizes (ou não felizes) na vida a dois, mas que as pessoas não são felizes sozinhas. Segundo ele, viver feliz é algo que poucos conseguem, independente de terem um par ou não.
Agradou-me a resposta, pois coloca a felicidade no seu devido lugar, ou seja, dentro de cada um de nós e dependente exclusivamente de cada um. A vida a dois já tem sido responsabilizada demais. Por que não dizer que fulano não é feliz, no lugar de fulano não é feliz na vida amorosa? A felicidade é um bilhete lotérico? Está entregue nas mãos dos deuses? Ou cabe exclusivamente a nossos parceiros nos fazer feliz ou infeliz? Nós não temos nada a ver com a nossa felicidade?
Coitada da Maria, mas também vivendo com João, que volta e meia se torna violento. E que dizer de José, cuja companheira está sempre desempregada. Isto para não falar da Carla, pobrezinha, cujo marido a deixou por uma jovem de vinte anos. Pior é caso de Antônio, traído pela mulher e por seu suposto melhor amigo. A lista não tem fim. Todos os personagens acima são infelizes, porque são infelizes nos seus relacionamentos.
Não é a verdade. Eles são infelizes porque são infelizes.
E, concordando com o entrevistado, como a maioria das pessoas não é feliz, prefiro usar o termo não-feliz a infeliz, diminuindo a carga de sofrimento da palavra. Além do que há vários estágios intermediários entre a felicidade e a infelicidade, e são nestes estágios que frequentemente nos encontramos.
Devemos, sim, preservar a vida a dois, com a consciência de que ela não é uma abstração, mas uma construção histórica, feita, como o nome diz, sempre a dois.


Katia Sarkis


terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 11

A SURDEZ

Estava na plataforma do metrô, quando o funcionário anunciou pelo alto-falante que o próximo trem não faria serviço de passageiros. Logo que o trem chegou, o funcionário permaneceu avisando que o trem, agora parado na estação, não faria serviço de passageiros. No entanto, havia umas 50 pessoas em frente às portas dos vagões, esperando que elas abrissem. E, mal o trem partiu, alguns fizeram uma expressão de frustração, como se estivessem surpresos com o fato.
Ora, o aviso pelo alto-falante fora dado inúmeras vezes de forma audível, por que aquelas pessoas não “escutaram”? Mesmo que houvesse deficientes auditivos entre elas, não seriam certamente a totalidade. Logo eles fisicamente ouviram a mensagem, mas agiram como se nada tivesse sido dito.
Se fosse um só a não ouvir, diríamos que se encontrava distraído, mas 50 pessoas distraídas? Como não se trata de um caso isolado, podemos pensar em uma surdez coletiva. Sim, ela existe. E não é só distração, é a falta de hábito de não ouvir, de não pensar no outro. Ou a expectativa de se ouvir algo faz com se ouça o que não foi dito. Eles estavam ali, na plataforma, à espera do trem que os levariam para casa ou para o serviço, logo como o trem não faria isto?
Não sei com certeza o que causa esta conduta, só me atrevo a fazer especulações. De qualquer forma, acho que o fato merece atenção, que ele não acontece por acaso. Gostaria de perguntar a algumas daquelas pessoas por que elas foram para a porta do vagão, se foi dado o aviso de que o trem não levaria passageiros. Será porque eles falam outra “língua”? Será porque eles não lidam bem com as palavras? Como deve ser a relação dessas pessoas com a família? Apostaria que não é boa.
O fato é que existe uma surdez, individual e coletiva. A surdez individual seria fruto do egoísmo ou, pelo menos, do egocentrismo. O sujeito está tão voltado para si mesmo que não escuta o que o outro, a seu lado, fala. É uma leitura possível, mas não me satisfaz. Acho que há mais coisa nesta surdez, pois ela é numerosa. E, pior, ela não será tratada por otorrinolaringologista algum. As pessoas do metrô permanecerão surdas.
Se um aluno na escola não entende por que fez determinado erro no exercício ou na prova, provavelmente o repetirá. Assim é na vida: se as pessoas não sabem por que não ouvem, continuarão surdas. E os verdadeiros surdos têm dificuldade de interpretação: como não sabem o que está sendo perguntado, respondem qualquer coisa. O meu receio é este. Como essas pessoas não percebem o que acontece a sua volta, também vivem qualquer coisa.
Katia Sarkis

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

CRÔNICA 10


NÃO, A VIDA NÃO FICA PARA A PRÓXIMA VEZ


Quem um dia não ficou satisfeito por estar chovendo e, portanto, ter uma boa desculpa para não sair? Só que esta saída significava algum prazer. como ir a um passeio, à praia ou ao cinema. Ora, por que ficaríamos satisfeitos em não fazer algo que, a princípio, seria a realização de um desejo?
É estranho, mas é a verdade. Quem não respondeu sim à pergunta inicial, parabéns. Mas acho que não teria nenhuma resposta afirmativa. A questão que interessa é por que precisamos da chuva como desculpa para não agir? E mais ainda: por que “queremos” não agir, se a vida se dá justamente nas ações, mesmo que pequenas e simples?
Primeiro passo dado: por que queremos nos poupar da vida, atrás de uma vidraça olhando a chuva que cai e falsamente lamentando que não poderemos ir à praia, onde nadaríamos, pegaríamos sol, conversaríamos com os amigos, apreciaríamos a paisagem etc?
Resposta número um, mas não única: temos a tendência à autossabotagem e esta ocorre em diversos níveis. Ficar em casa em dia de chuva é só um deles, e não é o mais grave, claro.
Resposta número dois: a lei da inércia. A vida em recintos fechados nas grandes cidades acostumou o corpo a espaços pequenos e, como já foi dito, fechados, com poucos movimentos. A insegurança das ruas enxota cada vez mais o cidadão das ruas para as quatro paredes. Repare que desacostumado de se mover, o corpo tem dificuldade de movimento, preferindo, normalmente, não fazer esforço físico.
A mente, por sua vez, também é permanentemente adestrada pela “civilização” para se acomodar, visto que a acomodação traz mais longevidade. Agora me diz para que viver mais tempo, se não for para viver mais coisas, com mais intensidade?
Quantas vezes ouvimos que hoje não, mas da próxima vez traremos o calção para ir à praia, ou teremos tempo para o bate-papo e a janta, ou teremos ensaiado a canção para apresentar, ou estaremos melhor preparados para fazer a prova. Mas hoje evidentemente não podemos.
Não, na próxima vez não é mais esta vida. E talvez não seja outra.

Katia Sarkis

domingo, 15 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 9



O PESO DA PALAVRA ESCRITA

Certa vez li que o dono de uma agência publicitária, sempre que algum funcionário vinha lhe dizer que tinha uma grande idéia, pedia para que a colocasse por escrito e que a trouxesse depois. A maioria não voltava, pois simplesmente não conseguia colocar a ideia, tão genial, no papel. Eis aqui um bom teste. Se você não souber escrever o que pensa, deixe de lado este pensamento, que ele não lhe será útil. Pense outras coisas. A linguagem é sempre a prova dos nove.
É também um excelente espelho. Muitas vezes só percebemos as coisas, quando as vemos escritas na folha. A palavra, ou a sua ausência, fala mais alto. Faça a seguinte experiência. Ela serve como um teste vocacional barato, para quem não sabe que faculdade escolher e que carreira seguir. Não faz mal que você não seja mais um adolescente e até já seja formado. A experiência, é claro, terá outro valor, se bem que ainda possa mostrar a você que se encontra na profissão errada. Se for o caso, sempre é tempo de mudar.
Os testes vocacionais, que não pretendo substituir aqui, lidam basicamente com aptidões e interesses e sugerem as carreiras que mais se aproximam dos seus desejos e de suas capacidades. Vamos então ao teste. Vá para um lugar tranquilo, com caneta e papel, e faça uma lista com dez coisas que você acha que faz bem; depois, faça outra com dez coisas de seu interesse. Não pense muito, não se censure. Escreva de forma espontânea, mesmo que a idéia que venha à mente pareça absurda ou ridícula. Lembre-se de que ninguém lerá este papel, portanto não minta nem para você.
Caso você não seja o mais sincero possível, este teste não terá validade. Ou servirá ao menos para mostrar que você vive mentindo para você. Mas supondo que você tenha sido honesto, leia as duas listas. Se a finalidade fosse escolher uma profissão, o bom desempenho em Biologia e o interesse por assuntos de saúde confirmariam uma tendência para as carreiras na área de ciências. Não sendo o nosso caso, vejamos para que serve um teste tão simples.
Para ter surpresa quanto aos nossos verdadeiros interesses, por exemplo. Alguém com vinte anos num escritório de advocacia subitamente admite que a sua grande paixão são as artes plásticas; ou alguém que trabalhe como enfermeiro descobre que nunca teve paciência com os outros e que tem dificuldades em servir. Ora, este dois, por razões diferentes, deveriam procurar outras atividades com urgência.
Recordo-me de outro exemplo significativo deste teste aparentemente banal. Feito o pedido das listas para um grupo de adolescentes, a maioria só escreveu três ou quatro coisas de interesse. Logo foi fácil perceber por que sentiam tanto tédio, eles afinal tinham pouco interesse pela vida. Diziam que o mundo era sem graça, quando eles é que eram apáticos. Por ora, é a minha proposta. Olhe se você conseguiu colocar dez coisas de seu interesse, em ordem de prioridade de preferência. Conseguiu, sendo sincero? Que bom! Agora escreva o que você faz para satisfazer as necessidades de cada interesse.
Fique à vontade. Escreva com calma, pense outra vez, tente se lembrar de suas ações, inclusive das pequenas ações. Depois confronte as duas listas. Se não gostou do resultado, o que acha que pode ser feito? Escreva uma nova lista. Para iniciar, só com três ações que o ajudariam a alcançar seus objetivos e se comprometa com estas ações. Olhe só a sua imagem nitidamente refletida nesta lista-espelho. Não se espante, afinal você é o que faz.

Katia Sarkis








sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 8

O GESTO INFANTIL

Um vizinho confessou-me atordoado, ontem no elevador, que encontrara a mulher descascando o armário do quarto. Ele ficou tão sem jeito, que saiu do apartamento sem ser visto e se dirigia à garagem para ir sabe-se lá para onde. Estava tão chocado que desabafou comigo e depois pediu desculpas. Mas na verdade parecia pedir um conselho ou um ombro amigo. Queria entender por que uma mulher adulta descasca um móvel do qual não gosta apenas para estragá-lo mais ainda.
Sei que ele sai antes das sete para o trabalho e só volta à noite. Tem jeito de funcionário correto e dedicado e, segundo ele, é um marido atencioso e afetuoso, que se casou por paixão. Para ele é uma decepção flagrar a mulher destruindo os móveis da casa, como quem destrói a relação, a vida a dois.
Como não se trata de uma pessoa doente, o fato em si tem conotações mais sérias. Ela não é doida de rasgar dinheiro, como se diz. Como não gosta do armário, por achá-lo feio, pobre, ela o destrói, para que ele incomode mais. E toda vez que ela olhar para o armário descascado, ela se lembrará do marido e o culpará pelo estado do armário.
Qualquer estagiário de primeiro ano de Psicologia sabe disto, menos ela. Para ela, foi o marido que pôs um armário de segunda mão e feio ali de propósito, para desagradá-la, para contrariá-la. Com certeza, é o marido também que às escondidas torna o armário pior, para torturá-la esteticamente. É uma espécie de complô, elaborado antes do casamento com finalidade sádica.
O leitor razoavelmente inteligente poderia me perguntar por que aquela mulher, adulta e instruída, não dá aquele armário para alguma instituição de caridade, que ficará satisfeita com a doação, e compra outro, a seu gosto, para pôr no lugar.
Aqui entra em cena o nosso estagiário para responder. Se ela fizesse isto, estaria sendo de fato (e não só na carteira de identidade) adulta, estaria assumindo uma responsabilidade, ainda que pequena, na vida. E é sempre mais fácil destruir, e até mesmo se autodestruir, do que ser responsável. Certamente o armário descascado significa para ela um marido que não ama e um casamento fracassado, já para o estagiário seria mais aconselhável que ela abrisse o armário e se olhasse no espelho. Aí veria que a imagem de uma menina mimada de dez anos é mais desconfortável do que uma porta de armário descascada.

Katia Sarkis









quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009



DA ARTE DE SE AGRADAR


Seja lá quar for a nossa atividade profissional, sempre nos deparamos com pessoas que pensam de forma diferente ou até mesmo oposta. Isto faz parte da rotina do trabalho. Não podemos esperar uma aceitação unânime, nem devemos nos melindrar quando escutamos críticas ou censuras ao que fazemos, pois nós também somos permanentemente críticos dos outros.
Logo não devemos achar que a opinião contrária seja algo pessoal, dita para nos magoar ou nos aborrecer. Além do mais, nosso ponto de vista nem sempre é o mais certo ou o mais adequado. Precisamos achar que estamos certos e acreditar no que pensamos, mas isto não é garantia de que nosso modo de pensar seja o melhor.
Muitas vezes, aprendemos com os outros e reformulamos nossos pensamentos e crenças sobre vários assuntos, e não só quando dizem respeito ao nosso ofício. Acontece que somos particularmente mais vaidosos, quando se trata de nosso desempenho profissional, já que esta avaliação é uma das que mais pesam em nossa sociedade.
Se o nosso trabalho, por exemplo, tem uma relação direta com o público, como ocorre com artistas e jornalistas, a receptividade e a opinião alheia são imediatas. Os comentários e críticas surgem logo que a música, o texto, a peça e o artigo são postos no “mercado”. Em pouco tempo, sabemos se agradamos ou não, se agradamos a tal classe ou a tal faixa etária etc, o que não se dá com a maioria das profissões. Por isso, dizemos muitas vezes que determinado autor escreve comédias pensando na resposta do público ou que aquele compositor faz músicas fáceis, para ter uma venda maior...
Não importa o motivo que nos leva a querer agradar a alguém ou a público específico, cada um tem suas razões que merecem respeito, embora possamos também discordar de ser o público-alvo a determinar como o trabalho deve ser feito.
Não podemos agradar a todo mundo e há sempre quem discorde de nós, o que é esperado, e não deve ser visto como um mal. O que não podemos é nos desagradar, sob o risco de não nos reconhecermos e de nos dispersarmos. Agradar a si mesmo não deve ser entendido como um ato egocêntrico, mas como autorrespeito. Tanto não devemos assinar os textos com os quais não nos identificamos, como não devemos assinar os dias que não vivemos com a intensidade e a verdade que merecem. A vida deve ser sempre uma obra autoral.

Katia Sarkis








terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CRÔNICA 6
NÃO À NEUTRALIDADE

Há os que sofrem da “síndrome da Suíça”, isto é, são como os chamados países neutros. Não vou aqui analisar as razões desta neutralidade. Mas, a princípio, desconfio das neutralidades e as temo. Para mim são sempre suspeitas e pouco respeitáveis. Curiosamente, às vezes dá-se uma inversão e o indivíduo diz com orgulho que é neutro, que não se põe de um lado nem do outro. Como se ele não fizesse parte do mundo, ou a ele fosse superior.
No dia a dia, com frequência somos obrigados a dar uma opinião, a escolher um lado e a arcar com as consequências. Sim, é mais fácil “ficar em cima do muro”, ser vago e reticente, de forma a não se comprometer. Talvez até nos achem educados, sensatos ou mesmo maduros, quando, na verdade, estamos sendo covardes e alienados. Desde a reunião de condomínio do prédio até a eleição para presidente da república, devemos externar nosso ponto de vista e defendê-lo, sem receio de desagradar ou de ficar mal visto. Porque uma coisa, é certa, sempre desagradaremos e ficaremos mal vistos, em algum momento. A mim, por exemplo, os neutros desagradam e muito.
Nem falo aqui daqueles que só se pronunciam depois que a maioria já deu seu parecer ou seu voto. O Maria vai com as outras é um caso grave e merece comentários à parte. Falo, por ora, do que, em nome de uma suposta paz, manifesta seu apoio a gregos e troianos, com o intuito de aparentar modos civilizados, como quem se encontra acima do bem e do mal.
Só que não há território neutro, o mundo é um campo minado nos sentidos literal e metafórico. Não há bandeira branca que nos garanta a invunerabilidade diante das balas dos dois lados. E se reparamos bem a expressão “fogo amigo”, tão usada em guerras recentes, também ocorre dentro de nossa família ou de nosso local de trabalho.
Não temos imunidade, como se diz na política; ou não estamos a salvo, como se diz na filosofia. O fato é que nas pequenas coisas cotidianas também não podemos optar pela abstenção, pois ela não existe. Ou “sujamos as mãos” ou “sujamos as mãos”. A menos que você queira fazer papel de Pilatos. Mas de que vale ter as mãos limpas, enquanto o sangue de Cristo corre diante de seus olhos?
O mundo é feito pelos homens que tomam partido.


Katia Sarkis

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 5

A MÁSCARA DA LINGUAGEM

Li recentemente num livro de Gustavo Cerbasi o seguinte: “O grande charme do dinheiro está no fato de ele raramente se mostrar como o vilão da história. Se não há dinheiro para renovar o guarda-roupa, o problema é percebido como desleixo...” O talentoso economista trata de questões financeiras em seu ensaio, mas aqui quero chamar atenção para a linguagem. Denominamos de ‘desleixo’ o que é falta de di-nheiro. Como, no momento, não vou tratar do assunto dinheiro, ficarei só na questão da linguagem. E não é pouca coisa.
Por que achamos que há falta de cuidado, quando, na verdade, não há dinheiro? Como há um tabu para tratarmos deste tema, então, falamos de outras coisas. Criticamos os mal vestidos, dizendo que são suburbanos, cafonas, caipiras, quando na verdade sabemos que eles não têm dinheiro para se vestirem de outro jeito, para andarem na moda feita nos bairros chiques das metrópoles ricas.
Achamos que o outro não tem bom gosto, por uma questão de opção ou educação, e não olhamos de frente para a causa: ele objetivamente não tem dinheiro. Este é um problema que não diz respeito apenas à falta de dinheiro. É o da linguagem: disfarçar, mascarar as coisas.
Em outras palavras mais simples, por que não damos os nomes aos bois? O que a linguagem esconde? E por que esconde?
No exemplo acima, vemos que é mais fácil falar em características como ser desleixado do que reconhecer de fato que a pessoa não tem dinheiro para se vestir melhor e por que razões não tem dinheiro. Fazemos de conta que a História não existe e falamos bobagens como dizer que fulano tem um temperamento assim ou assado ou que saiu ao pai ou a mãe. Por que será que tendemos a fazer abstrações e a não falar das circunstâncias reais da vida?
Verifique o uso que você faz da linguagem. Se você está usando uma palavra (desleixo) para significar ou esconder algo (falta de dinheiro), a quem você quer enganar? Para quem você está mentindo? Cuidado com os substantivos abstratos (desleixo é um deles), pois muitas vezes são utilizados contra a vida.
Palavras como amor, compreensão, respeito, vergonha, ética, justiça etc, que significam valores dignos de admiração podem ser i-ronicamente empregadas como mentiras, máscaras que escondem a verdade desagradável de ser dita e vista. É claro que sempre podemos optar pela mentira. Mas que seja por cinismo, e não por convicção!

Katia Sarkis

domingo, 8 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 4
UMA QUESTÃO DE PRIORIDADE

Algumas perguntas aparentemente simples deveriam ser feitas com mais regularidade, pois servem como uma espécie de termômetro, não verificam a nossa temperatura, mas a quantas anda a nossa vida. Eis uma: Quais são as suas prioridades? Sim, isto mesmo, quais são as coisas que vêm em primeiro lugar para você.
Se você nunca pensou nisto, pare rapidamente e pense, pois seu caso é mais sério. Você tem vivido todos estes anos e não teve tempo para se perguntar o que existe no mundo de mais importante para você? Primeiro de tudo, espero que você ache que haja pessoas e coisas importantes para você e que, por serem várias, você tem que estabelecer um ordem de interesse e de ação. O que vem em primeiro lugar é a sua prioridade.
Com a idade, estas prioridades vão mudando ou vão crescendo muito. Um adulto não tem obviamente os mesmos desejos da infância ou da adolescência. O tempo nos amplia e nos renova. Logo nossos interesses, desejos e necessidades vão se modificando e se consolidando. A escolha profissional, por exemplo, ocorre na adolescência e pode seguir até a velhice, e será sempre uma prioridade, pois é o trabalho que permite a realização destas outras, digamos, “prioridades”.
Além do trabalho, nossas principais áreas de interesse são normalmente a afetividade, o sexo, as relações familiares e sociais, os crescimentos intelectual e espiritual, a saúde. Se você parar e escrever num papel as dez coisas mais importantes de sua vida, verá que elas se encaixam no que foi dito acima. Que tal fazer esta lista como exercício? Escrever é mais do que simplesmente se lembrar destas prioridades, porque escrever exige que se pense antes.
Faça o teste agora e não minta. Coloque em ordem as grandes motivações de sua vida. Seja honesto, pois ninguém vai ler esta lista e não se sentirá magoado. Não escreva o que você acha que seria o certo ou o esperado. Talvez você seja pai e não ache que seus filhos sejam a prioridade um, mas escreveria a palavra filhos só porque a paternidade é um valor social. Não o faça. Se você mentir para você mesmo, esta lista não terá utilidade. E talvez seja uma boa hora para você reconhecer, por exemplo, que gosta mais de seu carro do que de seus filhos. Se isto não é o ideal, é melhor do que fingir que você é bom pai, e não um bom proprietário de automóvel.
Feita a lista, com a maior honestidade possível, releia e veja se não faria alguma mudança na ordem. Pense mais um pouco e faça as alterações necessárias, para ser bastante fiel ao que sente e pensa. Não ponha mais do que dez itens, ou não serão prioridades.
Se já acha que a lista corresponde à sua ordem de interesses na vida, vamos à segunda pergunta, e talvez mais difícil do que a primeira: O que você tem feito por suas prioridades? Pelo menos pelas três primeiras da lista? Vá, com sinceridade, responda a você mesmo. Agora.

KATIA SARKIS




sábado, 7 de fevereiro de 2009


CRÔNICA 3
O TEMPO É AGORA

Você é do tipo que chega sempre atrasado e acha normal? Não? Ainda bem. Mas com certeza você conhece alguém assim: um sujeito que se atrasa para todos os compromissos ou que simplesmente deixa de comparecer, sem avisar antes e sem dar uma justificativa. Atrasa-se ou não vai e basta. Os outros que entendam.
Há profissionais que não têm cuidado com o horário. Os médicos normalmente iniciam suas consultas com atraso de minutos ou de horas, e isso diariamente, sem se sentirem culpados pela falha. Curiosamente, os analistas nunca se atrasam, o que prova que os médicos podem ser pontuais. Mas parece que, além de terem de escrever com letra feia, de forma ilegível, médicos também não precisam obedecer aos horários. Talvez por isso seus clientes sejam chamados de pacientes.
Outros não precisam chegar ou sair em hora determinada, porque trabalham por produção, o que deve ser melhor, mas, é claro, são a minoria. De um modo geral, um pequeno atraso parece simples, no entanto causa problemas em série. Imagine se você ficasse esperando o entregador de jornal para sair por uns 15 minutos, no fim do dia este atraso banal poderia ter desencadeado uma sucessão de atrasos, com mais gravidade do que a mera entrega de um jornal, que não será lido, se você não o receber antes de sair para o trabalho.
Na vida social, há os que se atrasam com frequência e até fazem tipo, reconhecem o problema como questão de estilo e personalidade e riem, achando graça das reclamações de parentes e amigos. Às vezes até pedem desculpas por não terem conseguido chegar mais tarde. Não percebem ou não admitem que se trata de uma falta de respeito para com o outro, e não avaliam as consequências pequenas ou graves deste hábito.
Se um dia, você ouvir que se seu pai, vítima de um infarto, tivesse chegado cinco minutos depois ao hospital, teria morrido, você entenderá a diferença de cinco minutos de atraso. Não quero ser aqui melodramática, mas só lembrar que o mundo não ajusta o relógio pelo seu. É o contrário: você é que precisa respeitar os horários do mundo e dos outros, sob pena de causar muitos danos aos
que vivem com você e, principalmente, a você mesmo, embora sem dúvida não reconheça sua impontualidade ou sua ausência como a causa de tantos problemas.
Quem lida mal com o tempo e tem o fuso horário existencial desencontrado das outras pessoas precisa, com urgência, não de relógios e despertadores, mas de uma bússola. Pois quem está na hora errada certamente está também no lugar errado. E, cuidado, corre o risco de se tornar ainda a pessoa errada.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009



CRÔNICA 2

QUEM ESPERA JAMAIS ALCANÇA

Lembrei-me de uma peça nacional publicada na década de 80 em coleção do INACEN. Nela a protagonista está sempre esperando por alguma coisa. Espera fazer 18 anos para poder ir à boate, ao cinema, etc; espera se formar, para poder conseguir um emprego melhor; espera encontrar o par ideal, para ter uma família; espera os filhos nascerem, para se sentir realizada na maternidade; espera os filhos crescerem para ter tempo; espera a promoção do marido para comprar um apartamento e mudar de bairro; espera a aposentadoria para poder viajar...
Ou seja, a personagem tem referências externas que marcam cronologicamente a vida: idade disso e daquilo. E espera o momento apropriado para ser feliz, sempre em função de algum acontecimento. Na prática apenas substitui a razão que a impede de ser feliz, pois outra vez está em falta. E quando consegue fazer algo, olha para o lado e vê que precisa de outra coisa. Sua expectativa de felicidade estabelece sempre uma relação de dependência. Logo, nunca se sente satisfeita e realizada, só acumulando frustrações e lamúrias. O tempo todo exige da família, especialmente do marido, excessivo empenho para ajudá-la a atingir seus inúmeros e mutáveis objetivos.
Na sua cabeça se sucedem as seguintes frases: “Quando eu me formar, aí, sim, serei feliz...”, “Quando tiver aquele emprego, aí, sim, serei feliz.”, “Quando tiver um casal de filhos, aí, sim, serei feliz.”... É claro que a enumeração não tem fim, nem a vida, felicidade. A personagem, no fundo, cria um motivo para não ser feliz; justifica, assim, sua incapacidade para a alegria e se ‘desresponsabiliza’ de suas poucas realizações.
Não teve dinheiro, porque seu pai não lhe deixou herança; não teve uma vida conjugal satisfatória, porque seu marido era insensível; não teve filhos brilhantes, porque a juventude atual é inconseqüente; não subiu profissionalmente porque o chefe a perseguia e as colegas tinham inveja. Potencialmente tinha tudo para ser feliz e até sabia como, se não fosse impedida pela incompetência
dos outros.
Você talvez conheça alguém parecido com a nossa personagem. Quem sabe se você mesmo não se parece com ela? Se for o caso, você irá negar as semelhanças, pois sua característica principal é não assumir a responsabilidade por seus atos. Veja como as realizações individuais não podem ficar dependentes de uma idade, de um diploma, de um parceiro, de um emprego, de um lugar, de uma família, de uma poupança, de uma casa bem mobiliada...Na peça em questão, a mulher envelhece sem reconhecer que o tempo passou e que as oportunidades foram perdidas. Estava sempre à espera de chegar a algum lugar, que não se deu conta de que a vida era justamente o caminho.Agora é tarde: não há outra vida, nem outro caminho.



KATIA SARKIS

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

VOCÊ E A VIDA



CRÔNICA nº1
O DIA A SEU ALCANCE

Era domingo de outono e fazia sol. Mal abri a janela, a lembrança da floresta da Tijuca entrou. Há tempos não a frequentava. Saí depois do café, sem levar o jornal. Sentia falta da natureza, não de reportagens sobre o mundo. Queria o mundo matéria, não a sua versão a serviço de algum interesse. Houve uma época em que pegava uma cadeirinha de praia e ir ler os jornais em algum parque da Floresta. Admito que era gostoso: pegava um “sol”, ao mesmo tempo que me mantinha em dia com os acontecimentos. E a tranquilidade do lugar propiciava até a leitura de textos mais longos, como os dos cadernos de cultura. Saudosos domingos. Não sei dizer, mas os hábito surgem e se vão sem que muitas vezes percebamos.
Ontem preferi caminhar, respirar o ar puro da floresta, sentir a energia das árvores, apreciar as variações da natureza. Pensei comigo que somos privilegiados de morarmos na cidade que tem uma floresta desta extensão e relativamente próxima de vários bairros. Quem pode, dentro de uma área urbana, estar em trinta minutos em uma floresta? Como podemos, acabamos nos esquecendo dela. Sabemos que, a qualquer momento, podemos pegar um ônibus ou um táxi e ir até lá. Ela permanece à nossa espera. E, de preferência, ensolarada.
Após três horas de passeio, com direito à caminhada, banho de cascata, descanso, reflexão e bate-papo, desci revigorado para a cidade. com a promessa para mim mesmo de voltar no domingo seguinte. Ainda lá, sentado, à beira de um lago, apreciando as vitórias-régias, pensei por que levava tanto tempo para voltar à floresta, sendo ela tão perto e tão agradável.
É provável que em sua cidade não haja uma floresta igual, nem um parque como o Central Park de Nova York, mas deve haver um parque menor, ou uma praça, uma cascata, um lago, algum lugar em que você esteja em contato com a natureza. Você pode ir lá no próximo domingo ou criar o hábito de frequentá-lo aos fins de semana, ou com mais regularidade. Você vai perceber como isto vai lhe fazer bem e como a semana vai ser vivida melhor.
Mais do que o ar novo nos pulmões ou a paisagem nos olhos, trouxe da floresta estas perguntas: Por que não fazemos coisas tão simples e que nos dão tanta satisfação? Por que estamos sempre querendo ir para onde supomos esteja a vida, e não vemos a vida que está a nosso alcance?
KATIA SARKIS